Skip to main content
Textos informativos

Habilidades sociemocionais: Porque que elas são importantes pra todas as pessoas?

Quando falamos das habilidades sociemocionais, nos referimos a um conceito amplo que vai abranger as habilidades que uma pessoa precisa ter para lidar com três aspectos principais da sua vida:

1. Lidar consigo mesma. Que compreende as habilidades de lidar com suas próprias emoções, tais como o autoconhecimento e a regulação emocional;

2. Lidar com os outros. Que compreende as habilidades de lidar com as emoções dos outros, tais como as habilidades sociais e o engajamento em tarefas em grupo;

3. Lidar com os desafios. Que compreende as habilidades de equilibrar meus objetivos pessoais e coletivos, tais como a tolerância a frustração e a resolução de problemas

É comum recebermos pais que chegam ao consultório descrevendo que seus filhos são reativos, não conseguem ouvir não, que têm dificuldades de parar de fazer algo que gosta, como: jogar vídeo game, comer algo gostoso, etc… e muitos destes pais acham que nada pode ser feito, pois percebem que a criança sempre foi assim: impaciente, descontrolada, birrenta, etc.

Alguns acham, inclusive, que com o simples passar do tempo, os filhos deveriam “deixar de ser assim”. Culturalmente nós temos alguns ditados que favorecem a ideia de que a aprendizagem tem pouco efeito sobre o comportamento emocional das pessoas: “pau que nasce torto nunca se endireita, por exemplo”, “o cavaco não vou muito longe do pau”. Mas isso são mitos que bloqueiam a possibilidade de pensar um comportamento ou sentimento como parte de um contexto. A maturidade emocional não aparece com o simples passar da idade das crianças, é preciso exposição e estimulação de qualidade para que ocorra a aprendizagem.

 

Ahhh, então você está dizendo que a personalidade da criança não vai influenciar? E se ela tiver um diagnóstico?
Nada disso. Tanto a personalidade da criança quanto suas vulnerabilidades biológicas, fazem parte de seu ambiente, mas se a família tem uma história de ensino de habilidades sociemocionais frágil, e não porque é uma família ruim, mas porque culturalmente a gente pensa pouco no aprendizado emocional como um processo, podemos pensar que é uma família que facilita menos que isso tudo aconteça.

 

E você sabe por que puxamos esse assunto lá pra infância?
É porque justamente na infância temos uma janela de aprendizagem para habilidades cognitivas que são precursoras das habilidades sociemocionais, que são as Funções Executivas. O período crítico dos primeiros anos de vida é uma fase única de desenvolvimento, em que as experiências têm um impacto profundo e duradouro na formação do cérebro e no desenvolvimento cognitivo, emocional e social da criança. Portanto, investir na primeira infância é um investimento de longo prazo, com benefícios que se estendem ao longo da vida.
Então, pasmem! Quando ensinamos o bebezinho a esperar 5 ou 10 minutos para mamar, estamos contribuindo para o desenvolvimento das funções executivas relacionadas ao controle inibitório de forma muito natural. Provavelmente, é este treino que possibilita que quando ela faz3 anos de idade, ela consiga esperar pelo prato de comida na hora do almoço, sem precisar fazer uma super birra.

 

O que são as Funções Executivas?
As Funções Executivas referem-se a um conjunto de habilidades cognitivas essenciais para a organização e regulação do comportamento, especialmente em situações desafiadoras que exigem adaptação rápida e flexibilidade diante de mudanças no ambiente. Essas habilidades são vitais para a tomada de decisões, resolução de problemas, planejamento e controle de impulsos, permitindo que as pessoas ajam com eficácia e eficiência em diversas tarefas e contextos.

Elas permitem lembrar e associar informações, reavaliar padrões de pensamento, planejar e filtrar distrações. Quando essas habilidades não estão funcionando bem, pode ser difícil para o indivíduo concentrar-se em seus pensamentos e organizá-los de maneira criativa e única. Isso pode afetar a capacidade do indivíduo de realizar atividades diárias, como gerenciar rotinas, priorizar tarefas, organizar objetos no espaço e coordenar atividades no tempo, além de formular, executar e avaliar projetos e solucionar problemas. O prejuízo dessas habilidades pode comprometer a qualidade de vida do indivíduo e de seus relacionamentos interpessoais. Por isso, é importante investir no desenvolvimento das funções executivas para garantir uma vida plena e bem-sucedida.

 

Podemos considerar 3 componentes centrais das Funções Executivas:

 

1. O controle inibitório.
Sabe aquela pessoa que normalmente interrompe as outras? É impaciente, tem dificuldade de esperar a sua vez no jogo, na fila, etc? Age de forma impulsiva, sem pensar na consequência dos seus atos, distrai-se com facilidade, tem dificuldade para manter o foco e controlar suas emoções?Possivelmente essa pessoa pode ter dificuldade de controle inibitório.O controle inibitório é uma habilidade cognitiva que permite que o indivíduo iniba ou suprima comportamentos impulsivos ou inadequados. É uma habilidade crucial para a regulação do comportamento e para a tomada de decisões racionais e conscientes.
Quando a linguagem ainda não está plenamente desenvolvida, até por volta de 2 anos, a rotina de cuidados desempenha um papel fundamental no desenvolvimento do controle inibitório. Os rituais de alimentação, banho e sono ajudam a criança ase organizar temporalmente e a atender suas necessidades básicas de maneira mais tranquila. Durante a infância, o controle inibitório é importante para que as crianças aprendam a esperar sua vez de falar em uma conversa, manter a atenção durante a leitura de uma história e participar de brincadeiras que exigem autocontrole. O desenvolvimento do controle inibitório também permite que as crianças aprendam gradualmente a controlar comportamentos mais impulsivos, como morder ou chorar, a expressar seus sentimentos de maneira mais adequada, e a ter paciência para esperar sua vez. Estudos mostram que essa habilidade pode ser aprimorada com prática e treinamento, como jogos que exigem autocontrole e atividades que envolvem reflexão e planejamento. O desenvolvimento do controle inibitório é fundamental para a formação de hábitos saudáveis, bem como para o sucesso acadêmico, profissional e pessoal.

 

2. A memória de trabalho.
Uma pessoa que tem dificuldade de memória de trabalho, não segue corretamente as instruções das tarefas, tem dificuldade de manter as informações na cabeça para usá-las, tem dificuldade em solucionar problemas, dificuldade em conectar informações, contar e escrever histórias, etc.
Isso porque a memória de trabalho é um tipo de memória que permite a retenção temporária de informações necessárias para a realização de uma tarefa específica, é a capacidade de manter e manipular informações mentalmente. Essa capacidade é fundamental para a aprendizagem, resolução de problemas e tomada de decisões, uma vez que permite que o cérebro mantenha informações relevantes ativas e as manipule mentalmente. A memória de trabalho é limitada em capacidade e duração, o que significa que é importante usar estratégias eficazes para manter as informações relevantes e descartar aquelas que não são necessárias.

 

3.Flexibilidade cognitiva.Você conhece alguém que tem dificuldade de lidar com mudanças de planos ou de rotina? Não demonstra variabilidade e criatividade para resolver problemas?Apega-se a detalhes e não enxerga o todo? Tem dificuldade em entender metáforas e brincadeiras? Pode ter dificuldade de se colocar no ponto de vista do outro, etc.Provavelmente estamos falando de alguém com dificuldade em flexibilidade cognitiva, que é a habilidade de adaptação do pensamento e comportamento a diferentes situações e contextos envolvendo mudança de foco atencional e consideração de perspectivas e hierarquização de prioridades. A flexibilidade cognitiva é especialmente importante em ambientes complexos e dinâmicos, onde as informações mudam constantemente e o indivíduo precisa se ajustar rapidamente. Uma boa flexibilidade cognitiva pode ajudar a resolver problemas deforma mais criativa e inovadora, facilitar a tomada de decisões e melhorar a comunicação interpessoal. A flexibilidade cognitiva é uma habilidade que pode ser desenvolvida com prática e exposição a situações desafiadoras e variadas, bem como por meio de atividades que promovam o pensamento divergente e a criatividade.

 

Como podemos desenvolver as Funções Executivas? Como vimos, o desenvolvimento das Funções Executivas não ocorre automaticamente, conforme as pessoas vão crescendo, mas é fundamental que a pessoa experimente o mundo deforma a dar suporte a este desenvolvimento. Desde muito cedo, quando os pais estabelecem rotinas com a criança, já contribuem para esse desenvolvimento que vai se aprimorando por meio de prática e atividades que envolvam desafios para o cérebro. O desenvolvimento das funções executivas requer uma combinação de atividades físicas, mentais e emocionais, que ajudem a estimular diferentes áreas do cérebro e a aprimorar as habilidades cognitivas.

Algumas formas de desenvolver as funções executivas incluem:

 

    1. Jogos de estratégia e quebra-cabeças, que ajudam a melhorar a capacidade de planejamento e resolução de problemas.
    2. Atividades físicas e esportes, que exigem controle motor e coordenação visuoespacial, estimulando o cérebro a lidar com múltiplas tarefas ao mesmo tempo.
    3. Leitura e escrita, que ajudam a desenvolver a memória de trabalho, a atenção e a capacidade de planejamento.
    4. Exposição a situações desafiadoras e novas, que estimulam a flexibilidade cognitiva e a capacidade de adaptação a mudanças.
    5. Treinamento mental, como meditação e mindfulness, que ajudam a melhorar a autorregulação emocional e a atenção plena.
    6. Jogos de memória e atenção, que podem ajudar a desenvolver a memória de trabalho e a capacidade de concentração.

 

Espero ter contribuído para o entendimento de que as funções executivas são habilidades cognitivas fundamentais para o desenvolvimento socioemocional saudável em crianças e adultos.O desenvolvimento adequado dessas habilidades permite que as pessoas se adaptem a situações novas e complexas, resolvam problemas, controlem seus impulsos e tomem decisões mais assertivas. A falta de desenvolvimento dessas habilidades pode levar a dificuldades em diversas áreas da vida, incluindo o desempenho acadêmico, a interação social e a autorregulação emocional.Portanto, é importante que as crianças tenham oportunidades para desenvolver suas funções executivas desde a primeira infância, por meio de experiências desafiadoras, brincadeiras, rotinas diárias estruturadas e interações significativas com adultos. Investir no desenvolvimento das funções executivas das crianças é investir em seu futuro socioemocional e cognitivo.

 

 

 

Escrito por:
Anna Beatriz Carnielli Howat Rodrigues
CRP 16/2307
Título de pós-doutorado em Saúde Mental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro,Doutora em Psicologia Experimental e Especialista em Psicologia Comportamental Cognitiva pela Universidade de São Paulo, Mestre em Psicologia e Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo.

 

Leave a Reply