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A infância é um período de intensa aprendizagem. Nossos cérebros, que se desenvolvem rapidamente nos primeiros anos de vida, chegam por volta de 90% do seu tamanho aos 5 anos. Essa capacidade de aprendizado permite que as crianças se adaptem ao seu ambiente social e cultural, adquirindo as habilidades necessárias para se tornarem adultos. Um dos meios de desenvolvimento de toda esta aprendizagem, relaciona-se ao brincar. Visto por este aspecto, o brincar não é apenas uma atividade lúdica, mas um mecanismo adaptativo que permite às crianças explorar o mundo e se preparar para a vida adulta.

Se olharmos para a história evolutiva, veremos que o brincar não é um fenômeno exclusivo da espécie humana. Animais de diversas espécies, de roedores a primatas, dedicam parte do seu tempo a brincadeiras. Essa constatação nos leva a questionar: qual a função do brincar na natureza? A Psicologia Evolucionista nos oferece algumas pistas.

Quanto mais complexa a sociedade de uma espécie, mais tempo os indivíduos passam em um período de desenvolvimento dedicado ao aprendizado por meio do brincar. Essa relação entre complexidade social e brincadeira sugere que o brincar é uma ferramenta fundamental para preparar os indivíduos para viver em grupos sociais que requerem cada vez mais exigência de habilidades.

Brincar cria um espaço onde as crianças aprendem a se conectar entre elas, sincronizando suas ações e revezando-se nas brincadeiras. Brincar proporciona às crianças a oportunidade de explorar o mundo ao redor, experimentar diferentes papéis sociais e desenvolver a criatividade.

Mas o que é a brincadeira, afinal? É só aquilo que promove diversão?

Há autores que a identificam como veículo social para explorar as diferenças e desenvolver assuntos comuns, mas essa descrição não encaixaria a brincadeira solitária. Apesar da definição do termo ser relativa, parece importante que este comportamento envolva: comprometimento ativo daquele que brinca, sensação de ser agradável e possuir objetivo de busca pela diversão.

Através do brincar, as crianças desenvolvem habilidades cognitivas, sociais, emocionais e físicas. Ao brincar, elas aprendem a resolver problemas, a cooperar, a compartilhar, a negociar e a lidar com frustrações. Além disso, brincar contribui para a construção da identidade e da autoestima, pois permite que as crianças se expressem e sejam reconhecidas por seus pares. O brincar é um fenômeno culturalmente determinado. As brincadeiras tradicionais, por exemplo, refletem os valores, costumes e conhecimentos de cada sociedade. Ao brincar, as crianças aprendem sobre sua cultura e se conectam com suas raízes.

Os educadores de crianças pequenas acreditam que a brincadeira é a ferramenta mais valiosa para a aprendizagem. Ela pode ser do tipo livre, ou pode ser do tipo estruturada. Toda brincadeira tem seu valor. O importante é proporcionar ambientes divertidos e estimulantes que promovam atividades práticas e o uso de recursos interessantes e, dessa forma, permitir que as crianças que deem conta iniciem as suas próprias aprendizagens. Para aquelas que não dão, que sejam mediadas, isso não faz a brincadeira perder o valor.

Lembre-se de que, mesmo na vida adulta, a importância do brincar não diminui. Participar de hobbies, jogos, atividades recreativas e momentos de diversão também oferece benefícios semelhantes aos mencionados acima, contribuindo para uma vida equilibrada e saudável.

Brincar digitalmente ou virtualmente também conta?

Sim, brincar virtualmente também conta como brincadeira. Se pensarmos nos aspectos de que: na brincadeira virtual, as crianças se envolvem ativamente em atividades que lhes proporcionam prazer e satisfação; muitas vezes, as atividades online envolvem interação com outras pessoas, seja através de chats, jogos multiplayer ou a criação de comunidades virtuais; e as atividades digitais podem contribuir para o desenvolvimento de habilidades como a resolução de problemas, a criatividade, a coordenação motora e o pensamento estratégico.

Brincar virtualmente, mas presencialmente, é ainda mais interessante. Ficou confuso? Vamos ao exemplo: jogar vídeo game na casa de um amigo. Atividade virtual, mas que guarda características do brincar presencial.

Brincar nas redes sociais, jogar online, substitui o brincar presencial?

A resposta é não.

As atividades digitais podem ampliar as possibilidades de interação social, estimular a criatividade e o aprendizado, e oferecer novas formas de expressão, mas elas não devem substituir o brincar presencial.

É fundamental que as crianças tenham oportunidades para interagir com outras pessoas de forma presencial, brincando, conversando e participando de atividades em grupo, para que possam desenvolver habilidades sociais essenciais para a vida.

A sincronização, fundamental para o desenvolvimento cerebral e social na primeira infância, constrói vínculos seguros e duradouros. As interações face a face, ricas em nuances e responsivas, permitem que as crianças aprendam a regular suas emoções, desenvolver empatia e construir um senso de si mesmas e dos outros. Ao contrário, as interações virtuais, principalmente aquelas cultivadas em redes sociais e alguns jogos online, se dão frequentemente assíncronas e unidirecionais, podem limitar a capacidade das crianças de compreender as pistas sociais e desenvolver habilidades de comunicação eficazes. A falta de contato físico e a ausência de trocas, olhares e gestos podem comprometer o desenvolvimento socioemocional das crianças nos primeiros anos de vida, impactando suas relações futuras.

Inclusive, o excesso de tempo dedicado às plataformas digitais pode prejudicar as relações interpessoais, a produtividade e a saúde mental. A psicologia nos mostra que o bem-estar está ligado à capacidade de cultivar relações reais, cuidar de si mesmo e encontrar prazer nas atividades do dia a dia, tanto online quanto offline. A facilidade com que as crianças acessam as redes sociais e jogos online pode levar a um uso excessivo e desmedido dessas plataformas. A conscientização sobre os impactos do uso excessivo das redes sociais é o primeiro passo para promover uma relação mais saudável com a tecnologia.

Referências
CARVALHO, A. M. C. et al. (Org.). Brincadeira e cultura: viajando pelo Brasil que brinca. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1992.

DE LUCENA, Regina Ferreira; CÓRIA-SABINI, Maria Aparecida. Jogos e brincadeiras na educação infantil. Papirus Editora, 2004.

HAIDT, Jonathan. A geração ansiosa. São Paulo: Companhia das Letras, 2024.

HANSEN, Janete et al. O brincar e suas implicações para o desenvolvimento infantil a partir da Psicologia Evolucionista. Journal of Human Growth and Development, v. 17, n. 2, p. 133-143, 2007.

Escrito por:
Anna Beatriz Carnielli Howat Rodrigues 
CRP 16/2307 
Título de pós-doutorado em Saúde Mental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Doutora em Psicologia Experimental e Especialista em Psicologia Comportamental Cognitiva pela Universidade de São Paulo, Mestre em Psicologia e Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo.

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