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Nós humanos, somos seres altriciais ao nascer, ou seja, totalmente dependentes da manutenção da proximidade dos adultos que desempenham função de proteção, cuidado e segurança, para nossa sobrevivência. Por isso, há uma tendência da nossa espécie para desenvolver relações de apego. A teoria do apego de John Bowlby é uma abordagem fundamental na psicologia, que destaca a importância das relações interpessoais desde os primeiros anos de vida. Bowlby argumenta que os seres humanos têm uma necessidade inata de formar laços emocionais seguros com seus cuidadores, que servem como uma base segura a partir da qual podem explorar o mundo e lidar com desafios. E essa tendência é importantíssima, pois pais de bebês recém-nascidos sabem que a maioria dos comportamentos deles são muito aversivos para nós adultos (choro, dependência, etc.). Se a tendência ao vínculo não existisse, provavelmente, nós como espécie não teríamos ido para frente. Sua teoria concebeu o apego como um mecanismo humano fundamental, comparável aos mecanismos de alimentação e sexualidade, operando como um sistema de controle homeostático.

À medida que a criança cresce, ela desenvolve percepções do ambiente, de si mesmo e das figuras de apego que vão estar relacionados com os sentimentos de disponibilidade das figuras de apego, com a probabilidade de recebimento de suporte emocional em momentos de estresse e, de maneira geral, com a forma de interação com essas figuras. Bowlby destaca que as interações precoces com os cuidadores principais estabelecem as bases para as expectativas sobre si mesmo, sobre os outros e sobre o mundo em geral, o que tem implicações significativas para o desenvolvimento futuro da personalidade.

Mary Ainsworth expandiu e refinou a teoria do apego e identificou quatro estilos de apego principais: seguro, ansioso, evitativo e desorganizado. Cada um deles molda a forma como os indivíduos interagem em relacionamentos ao longo de suas vidas, influenciando o seu senso de autoestima, confiança nos outros e habilidades para regular as emoções. Essa teoria é especialmente valiosa no contexto da psicologia clínica, uma vez que nos ajuda a entender como as experiências precoces de ligação podem afetar o bem-estar emocional e os padrões de relacionamento de um indivíduo na idade adulta. Compreender o apego fornece uma base sólida para terapias que visam fortalecer relacionamentos e promover a resiliência emocional. A teoria do apego de Bowlby destaca a importância de um ambiente de cuidado seguro na infância e como os profissionais da saúde mental podem desempenhar um papel significativo na promoção do desenvolvimento saudável das relações interpessoais e no apoio à saúde mental ao longo da vida.

  1. No apego seguro, o cuidador oferece à criança confiança para explorar o mundo com entusiasmo, sabendo que terá cuidado e proteção quando necessário. Mesmo quando separadas, as crianças seguras mantêm a confiança em seus cuidadores e se incomodam sem desespero. Essa interação é marcada pela cooperação, com o cuidador oferecendo orientação e apoio enquanto incentiva a independência da criança. Há harmonia entre segurança e liberdade.
  2. O Padrão ansioso é caracterizado por comportamento imaturo diante da separação dos cuidadores, falta de interesse em explorar o ambiente e preocupação voltada para os cuidadores. Após a separação, a criança fica incomodada e relutante em se aproximar de estranhos. Ao reencontrar os cuidadores, ela alterna entre buscar contato e demonstrar raiva. Essa oscilação pode ser causada pela inconsistência na resposta aos cuidados, o que gera falta de confiança nos cuidadores.
  3. O padrão evitativo é caracterizado por crianças que brincam tranquilamente longe dos cuidadores, interagem pouco com eles e não buscam conforto neles, mesmo em situações de estresse. Essas crianças são menos propensas a procurar cuidado e proteção, possivelmente devido a experiências de rejeição ou falta de resposta às suas necessidades.
  4. Por fim, o padrão desorganizado é caracterizado por crianças com experiências negativas para o desenvolvimento, este padrão apresenta comportamento contraditório e estratégias de enfrentamento incoerentes. Essas crianças exibem impulsividade e apreensão na presença dos cuidadores, refletindo um conflito interno. Associado a fatores de risco, como abuso infantil e transtornos nos pais, esse padrão pode ser manifestado em situações de abuso ou maus-tratos.

Bolger, Patterson & Kupersmidt (2008) mostraram que a gravidade e cronicidade do maus-trato podem afetar significativamente as relações entre pares e a autoestima das crianças. A frequência e a persistência do maus-trato podem contribuir para a baixa autoestima das crianças, levando-as a desenvolver modelos negativos de si mesmas como incompetentes e dignas de punição. Além disso, o maus-trato crônico pode levar as crianças a buscar apoio fora do ambiente familiar. O estudo longitudinal foi realizado com 107 crianças que sofreram maus-tratos indicadas pelo Sistema de Informação sobre Abuso e Negligência Infantil do Departamento de Serviços Sociais da Virgínia. Esse estudo contou ainda com grupo controle equalizado com o grupo estudado em termos de características sociodemográficas e tamanho do grupo. Os resultados do estudo indicaram que: a baixa autoestima esteve relacionada com maustratos de abuso físico e abuso sexual, mas não com o abuso emocional. Além disso, abuso físico, emocional, falta de supervisão e dificuldades financeiras estavam associados a dificuldades nas relações com pares. Para o grupo de crianças que sofreram maus-tratos crônico, ter amizades de qualidade e reciprocidade estava associado a aumentos na autoestima ao longo do tempo. Isso sugere que as amizades positivas podem desempenhar um papel protetor contra os efeitos negativos do maus-trato na autoestima das crianças.

Feldman (2012) em seu estudo mostra que o estabelecimento de vínculos interpessoais ativa regiões específicas do cérebro associadas à recompensa e ao processamento emocional. A liberação de neurotransmissores como a ocitocina durante interações sociais positivas contribui para a formação e consolidação desses laços emocionais, promovendo uma sensação de segurança e bem-estar. Além disso, a qualidade dos vínculos interpessoais está diretamente relacionada à saúde emocional e ao funcionamento psicossocial dos indivíduos. Os dados de Holt-Lunstad et al. (2010) indicaram que pessoas com relacionamentos interpessoais estáveis e de apoio tendem a apresentar níveis mais baixos de estresse, ansiedade e depressão, além de uma maior resiliência diante de adversidades.

Reconhecemos que a qualidade das experiências iniciais impacta diretamente nossa autoestima, confiança nos outros e habilidades para regular emoções, por isso, cuidar da infância é cuidar do bem-estar emocional dos adultos. A teoria do apego oferece uma perspectiva profunda sobre como as primeiras relações interferem nos nossos relacionamentos e bem-estar ao longo da vida. À medida que entendemos mais sobre a interseção entre apego, autoestima e relacionamentos, torna-se ainda mais evidente o papel fundamental dos cuidadores, profissionais de saúde mental e da comunidade em fornecer ambientes seguros e apoio emocional para as crianças. Promover o desenvolvimento de relações saudáveis desde a infância não apenas fortalece o indivíduo, mas também constrói as bases para uma sociedade mais resiliente e compassiva.

Bolger, K. E.; Patterson, C. J. & Kupersmidt, J. B. (2008). Peer Relationships and Self-Esteem among Children Who Have Been Maltreated. Child Development. https://doi.org/10.1111/j.1467-8624.1998.tb06166.x

Feldman, R. (2012). Oxytocin and social affiliation in humans. Hormones and Behavior, 61(3), 380-391. DOI: 10.1016/j.yhbeh.2012.01.008

Holt-Lunstad, J., Smith, T. B., & Layton, J. B. (2010). Social relationships and mortality risk: a meta-analytic review. PLoS medicine, 7(7), e1000316. DOI: 10.1371/journal.pmed.1000316

Material sobre a teoria do apego:

BOWLBY, J. (1940) The influence of early environment in the development of neurosis and neurotic character. International Journal of Psycho-Analysis, vol. 21, pp. 1-25.

BOWLBY, J. (1944) Forty-four juvenile thieves: Their characters and home life. International Journal of Psycho-Analysis, vol. 25, pp. 107-127.

BOWLBY, J. (1969/1990) Apego e perda: Apego – A natureza do vínculo. São Paulo: Martins Fontes, vol. 1.

BOWLBY, J. (1973/1980) Apego e perda: Tristeza e depressão. São Paulo: Martins Fontes, vol. 3.

BOWLBY, J. (1973/1984) Apego e perda: Separação. São Paulo: Martins Fontes, vol. 2.

BOWLBY, J. (1979/2001) Formação e rompimento dos laços afetivos. São Paulo: Martins Fontes. BOWLBY, J. (1989) Uma base segura: Aplicações clínicas da teoria do apego. Porto Alegre: Artes Médicas.

Escrito por:
Anna Beatriz Carnielli Howat Rodrigues 
CRP 16/2307 
Título de pós-doutorado em Saúde Mental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro,Doutora em Psicologia Experimental e Especialista em Psicologia Comportamental Cognitiva pela Universidade de São Paulo, Mestre em Psicologia e Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo.

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