
Outro dia eu fui convidada para dar algumas palestras para adolescentes e foi um momento muito gostoso. Primeiro, porque eu sinto que na clínica me conecto de uma forma genuína com esse público e segundo, porque falar para adolescentes em uma palestra, fez com que eu me reconecta-se com o meu eu adolescente. Um eu cheio de dúvidas, cheio de altos e baixos, um eu maravilhado pela vida e ao mesmo tempo morrendo de medo dela. E agora, com meus quase 38, olhar para trás e poder falar com eles que eu também passei por aquilo, que hoje eu entendo melhor o que acontecia e ajudá-los a se entender também, foi um presente.
Já faz tempo que eu queria escrever um texto sobre adolescentes, principalmente porque recebo na clínica pais que olham para adolescentes como adultos formados, ou crianças pequenas… alguns pais que esqueceram como foi a adolescência deles. E eu queria ter a oportunidade de falar com cada pai desse e lembrá-lo “ou, você não lembra como você era nessa época não? Os altos e baixos de humor que enfrentou? Os medos em relação a conseguir se relacionar amorosamente com alguém? Ou os conflitos super frequentes com os amigos? Sobre o futuro… os pensamentos também eram puxados, você queria pensar na festa do fim de semana e precisava resolver sobre o seu futuro escolhendo seu curso para o vestibular”. Então vamos lá, vamos entender por que a adolescência é essa etapa tão transformadora e caótica da vida.
Tudo começa com a puberdade…
Tudo começa com a puberdade. Já ouviu falar nela? Esse é o nome que damos ao período que marca a transição da infância para a fase adulta, sendo essa passagem caracterizada por alterações marcantes no corpo de meninas e meninos. As meninas costumam iniciar esse processo antes dos meninos, entre os 8 e 13 anos de idade. Os principais sinais que aparecem no corpo das meninas é o aumento do broto mamário, um acúmulo gradual de gordura no quadril e afinamento da cintura, o crescimento dos ovários e a menarca (ou primeira menstruação). Nos meninos esse processo começa entre os 9 e 14 anos com sinais de aumento do tamanho do testículo, estirão, mudança na voz, oleosidade da pele, alargamento do tronco e desenvolvimento de pêlos em todo o corpo.
Isso tudo parece muito ok, corporalmente nosso corpo está mudando desde quando nascemos. Mas temos que lembrar da complexidade que as mudanças que acompanham a puberdade são diferentes e especiais, se não, nunca vamos entender o que se passa com nossos adolescentes. São mudanças corporais, hormonais, comportamentais, mudanças de papel social. E isto torna a adolescência uma fase que eu gosto de chamar de METAMORFOSE. Chamo assim, pois na natureza a metamorfose diz respeito a um processo de mudança relativamente rápido e intenso de forma, estrutura e hábitos (ex. a lagarta que vira uma borboleta). E é assim também que vejo a adolescência, uma fase de extrema velocidade do crescimento corporal e necessidades de adequações cerebrais importantes, com a maturação das estruturas corticais e subcorticais (emoções, equilíbrio, prazer, memória, autorregulação, etc, etc, etc) que faz com que hábitos mudem, a estrutura corporal mude, os papeis sociais mudem.
Você pode lembrar de quando seu filho era recém-nascido e como era reativo ao som, luz, muito tempo acordado, entre outros estímulos? Respondendo tantas vezes com choro excessivo? Pois é, costumo dizer que crescer dói. Todo mundo precisa enfrentar essa dor, ela é intrínseca ao desenvolvimento. Na adolescência essas mudanças também se apresentam dolorosas. O primeiro motivo que gera dor é pela própria velocidade da adaptação que muitas vezes apresenta mudanças corporais e o cérebro ainda está correndo contra o tempo, fazendo com que o comportamento esteja inicialmente mais desengonçado e estabanado e haja maior esforço pra atividades motoras. Além disso, toda essa mudança exige uma adequação da nova imagem corporal que é muito influenciada hoje em dia pela noção de mundo “instagramável”. O adolescente das últimas décadas deixou de ser a criança grande, desajeitada e inibida, de pele ruim e hábitos antissociais, da nossa época e agora se transformou no modelo de beleza, liberdade e sensualidade para todas as outras faixas etárias. É muita exigência social para tanta mudança.
É provável que os mais jovens possam comparar a sua vida com aquilo que veem exposto nas redes sociais, resultando num impacto negativo na perceção que têm de si próprios, incluindo a sua aparência física. Isto é, podem desenvolver uma perceção pouco saudável acerca do seu corpo e concepções irrealistas acerca do que é um “corpo ideal”. E por que o adolescente vai ser muito mais suscetível a isso? Pelos mesmos motivos que eles estão frequentemente de mal humor; pelos mesmos motivos que fazem com que as coisas que eles gostavam, já não tenha tanta graça; pelos mesmos motivos que eles preferem o celular a ler um livro. No cérebro adolescente, a área do responsável pela recepção de dopamina perde cerca de um terço dos seus receptores, fazendo com que tudo que é rotineiro e habitual fique chato e sem graça. Além de MUTANTES, eles também são verdadeiramente mais ENTEDIADOS.
Por serem mais entediados, buscam atividades dopaminérgicas o tempo todo e aí pode morar o perigo quando não bem orientados. Conferir notificações, curtidas e o feed de redes sociais já são hábitos comuns para quem tem um smartphone na mão. O simples som de uma notificação pode trazer uma sensação boa, mas, ao mesmo tempo, afetar o controle dos nossos impulsos. E, assim como o cigarro ou outros vícios, o uso constante do celular também pode se tornar uma dependência. Tudo isso é um processo químico, que ocorre dentro do nosso cérebro através da dopamina. Estimulado por comentários e curtidas, o neurotransmissor é liberado, provocando prazer e satisfação.
Só que a dopamina vicia. Checar o celular o tempo todo, clicar em notificações, ficar rolando infinitamente as timelines sem buscar algo determinado, pode gerar um looping altamente perigoso para a saúde.
Como na adolescência precisamos de muitos estímulos novos, para nos sentirmos motivados e fazendo coisas prazerosas, é importante fornecer para os nossos adolescentes atividades que os desafiem para essa novidade e forneça dopamina de forma adequada e segura. Vale aprender um novo instrumento, entrar para uma atividade desafiadora que eles gostam, como atividades esportivas, robótica, etc. Além disso, muitos pais já perceberam, mas é importante frisar, nessa etapa da vida, amigo têm “função dopaminérgica” e tudo o que eles fazem em grupo com os pares tem mais valor.
A maior dependência dos amigos tambémé um ato de equilíbrio difícil para os pais. Não é mesmo? Principalmente para aqueles que se sentem rejeitados por acessar menos os adolescentes e as vezes criam muros com os amigos deles e com o próprio adolescente. Você consegue deixar seus sentimentos de mágoa pela rejeição e permitir que seu filho(a) se desenvolva no mundo social mais amplo de relações com os outros da mesma idade? Quando se trata de grupos que exibem valores opostos aos seus e você acha que seu adolescente age de modo irreconhecível, é muito fácil erguer barreiras que seu adolescente considera injustas e então acende a chama do conflito.
E saiba que não é nada difícil acender a chama do conflito com os adolescentes. Isso porque, além de MUTANTES e ENTENDIADOS, eles também estão em um momento de serem mais ESTRESSADOS. A exposição a um estressor tanto fisiológico como a dor, quanto psicológico, como o medo ou a frustração, desencadeia uma série de reações no eixo Hipotálamo-Pituitária-Adrenal (HPA). E justamente na adolescência o eixo HPA fica mais ativado. Qualquer estressor é sentido com mais intensidade e para “piorar” o vulcão em erupção, os amigos, da mesma idade também estão passando por suas erupções. O resultado costuma ser conflitos mais intensos e frequentes com os pares. Muitas vezes, nós adultos pedimos para eles “deixarem isso pra lá”, aconselhamos que “vai passar”. No entanto, isso não faz nenhum sentido na cabeça adolescente que vive aquele momento com intensidade e interpreta aquilo como “a sua vida”, algo do tipo, “meus amigos, minha vida”.
Antes que eu me esqueça… a intensidade e já vamos aproveitar e falar do egocentrismo também, pois nada na adolescência veio para deixar o sujeito no mesmo lugar… nem que ele queira, ele vai conseguir. MUTANTES, ENTEDIADOS, ESTRESSADOS, INTENSOS E EGOCÊNTRICOS.
O cérebro é uma estrutura que amadurece de trás para a frente e na adolescência isso ainda está acontecendo a passos largos já que o desenvolvimento do córtex pré-frontal só acaba lá pelos 23-25 anos, dependendo de boas experiências vividas pelo indivíduo… se não ele pode atrasar esse amadurecimento.
Fato é que o cérebro adolescente ainda é muito dependente do sistema límbico, que é um sistema importante para a memória (hipocampo) e está próximo da amígdala, que ajuda a produzir as emoções, impulsos, comportamento instintivo e até agressividade. Com o amadurecimento vamos tornando nosso comportamento mais dependente do córtex pré-frontal o que tem uma grande implicação no comportamento social, pois ele é responsável pelas funções executivas de planejamento, tomada de decisão, controle inibitório, atenção e memória de trabalho.
Prejuízos no funcionamento ou um processo que ainda não está completamente desenvolvido nas funções relacionadas ao cortex pré-frontal conduzem a uma maior impulsividade, agressividade e inadequação social. E isso tem efeitos importantíssimos em termos de leitura social que é feita a partir do próprio umbigo e das próprias necessidades. Para um adolescente entender o que o outro está passando, principalmente se for algo diferente da sua vivência, precisa ser desenhado. Se não, vai ser “do meu jeito, o que eu quero, agora”. E é importante lembrar… desenhar não é repetir mil vezes a mesma coisa, pois pais que fazem isso já devem ter percebido que perdem a efetividade do exemplo ou do pedido. Instruções repetitivas não tem valor nesse momento da vida e passam a ser “ladainhas”, muitas vezes sem consequência.
Esse momento de amadurecimento também interfere no horizonte de tempo adolescente que é muito diferente do horizonte de tempo adulto. Você se lembra quando na sua adolescência sua frase mais importante era “CARPE DIEM”, que significa “aproveite o dia”? É isso, o seu horizonte era completamente curto em relação ao futuro.À medida que nos desenvolvemos, uma faculdade mental invisível e incrivelmente importante emerge e se expande: a capacidade de contemplar o futuro e fazer sua previsão. Adolescente estão pensando em um futuro muito mais próximo no tempo do que os adultos. Eles estão olhando para a festa da amiga no fim de semana que caiu junto com o simulado, mas o mundo adulto fica exigindo escolhas de meses ou anos. Quando for lidar com seu adolescente, lembre-se: O horizonte de tempo adolescente é muito diferente do horizonte adulto.
E a cereja do bolo fica por conta do “Perfect Storm” ou “tempestade perfeita”, que confere o caráter ZUMBI que a adolescência assume. Onze em cada dez pais vão ter dificuldade de entender essa parte e nossa sociedade também não está preparada para essa mudança. Na adolescência há um atraso real do ciclo sono-vigília por conta de alterações neuro-hormonais e a melatonina (indutor do sono) é liberada 2 horas mais tarde. Neste período o adolescente tem uma propensão maior a dormir tarde, o que é reforçada pela atividade social estar toda atrasada, junto a dos seus amigos que também enfrentam esse atraso do ciclo e tendem a acordar cedo por conta da complexidade social que são exigidos (ex. aulas cedo), o que vai alterar todo um processo de sono que consideramos saudável, que se não for cuidada, pode ter efeitos profundos na vida dessa pessoa.
E pra finalizar essa reflexão, 3 coisas precisam ficar muito evidentes.
- Neste período da vida há uma necessidade primária e fundamental de se tornar independente dos pais. Pare de cobrar do seu adolescente que ele não divide mais as coisas com você como quando ele tinha 5 anos. Aqueles que não atingem a independência de seus pais, possuem menos chances de serem suficientemente adequados na vida adulta. E nesse processo, é importante lembrar que alguma inflexibilidade em áreas particulares da vida, a busca por privacidade e o questionamento das instruções parentais fazem parte deste momento.
- Quando eles se individualizam dos pais, eles definem sua identidade. É normal que o adolescente no processo de autodescoberta e definição de sua identidade rejeite as ideias, opiniões e valores dos pais e defenda as de seus amigos. Por isso a importâncias de terem amigos com valores parecidos aos valores da família. Seu adolescente não é uma página em branco na qual você vai escrever de modo a determinar todas as preferências, objetivos, desejos e identidade global dele, do jeito que deseja. Depois de descobrir quem ele é, ele volta para o seio familiar, se esses laços forem mantidos sem muros.
- Eles não querem parecer fracos durante o processo de individualização. Obedecer a pais autoritários pode parecer um fracasso e seu adolescente pode não estar disposto a sofrer a perda de prestígio. Lembre-se, ele está entrando no mundo adulto, e espera-se que aprenda a resolver seus problemas negociando e não impondo. A relação dos pais com o adolescente é modelo para isso.
Lembre-se: o caminho para uma adolescência saudável e equilibrada começa na infância. É crucial que as crianças entrem nessa fase de “furacão” da vida com uma base sólida de saúde mental. A adolescência é uma jornada complexa, repleta de mudanças, desafios e novidades, onde os jovens têm contato com o mundo exterior e enfrentam diversas provações. Portanto, é fundamental que cheguem a essa fase com uma saúde mental estável, para evitar situações de risco que possam levar a problemas como depressão, ansiedade exacerbada ou outros transtornos mentais.
Fomentar um ambiente harmonioso, livre de violência e rico em diálogo, onde a comunicação é bidirecional, empática, e os pais coloquem os limites necessários tanto em relação ao acesso a informação, quanto aos nãos que aquele individuo precisa ouvir, é essencial. É importante criar um espaço que promova a aprendizagem através da frustração e do estabelecimento de limites com amor, garantindo que essas pessoas cheguem à pré-adolescência e adolescência com uma saúde mental adequada e a compreensão de que os pais estão ao seu lado, jogando no mesmo time, em vez de contra eles. Investir nesses aspectos desde cedo pode ser a chave para uma transição suave e bem-sucedida para a adolescência.
Escrito por:
Anna Beatriz Carnielli Howat Rodrigues
CRP 16/2307
Título de pós-doutorado em Saúde Mental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro,Doutora em Psicologia Experimental e Especialista em Psicologia Comportamental Cognitiva pela Universidade de São Paulo, Mestre em Psicologia e Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo.