Você já se perguntou o que é verdadeiramente importante para você? Quais são os seus valores? Se você está conseguindo viver em coerência com aquilo que é importante?
Os valores vão se referir a princípios e ideais que são importantes para uma pessoa e representam aquilo que é considerado significativo e desejável. Eles ajudam a orientar as ações e escolhas, influenciando suas prioridades, relacionamentos e estilo de vida. Quando as pessoas vivem de acordo com seus valores, geralmente experimentam maior satisfação, autenticidade e bem-estar psicológico.
Entender os valores pessoais de um indivíduo pode fornecer informações valiosas sobre sua motivação, sentido de propósito e satisfação na vida.
Uma introdução teórica sobre valores (mas se você não é muito ligado nessas teorias Psis, pode passar pro próximo tópico!)
Olhar para aquilo que é “valor” dentro da clínica psicológica teve uma enorme contribuição da escola humanista a qual propõe a clarificação de valores do cliente como atividade central do processo terapêutico. Desde Skinner temos discussões sobre “valor” em Análise do Comportamento, quando o entendimento era de que a expressão de um valor seria um tato (operante verbal) sob o controle discriminativo dos efeitos reforçadores positivos de um estímulo sobre o comportamento do falante.
É sem dúvida a Terceira Onda das Terapias Comportamentais, que traz para a clínica Comportamental considerações sobre o papel das relações simbólicas entre estímulos e fornece uma aplicação clínica mais consistente para o termo.
Nesta perspectiva, os valores vão estabelecer estímulos como reforçadores ou aversivos para aquele indivíduo e vão aumentar a efetividade da consequência com funções previamente estabelecidas. Será importante entender 3 aspectos para entender os valores:
- ELES ENUNCIAM CONSEQUÊNCIAS VERBALMENTE CONSTRUÍDAS QUE INDICAM CHANCE DE REFORÇAMENTO POSITIVO – Se “ser empático” for um valor verbalmente estabelecido, eventos que podem ser relacionados a empatia – como demonstrar compreensão, por exemplo – tem sua função transformada e passam a ser reforçadores.
- SE REFEREM A PADRÕES DE ATIVIDADES CONTÍNUOS, DINÂMICOS E EM CONSTANTE EVOLUÇÃO – “Ser empático” pode significar “demonstrar compreensão” em um primeiro momento e depois essa topografia vai aumentando de acordo com a complexidade dos padrões comportamentais. Além de demonstrar compreensão, eu também vou demonstrar consideração pelos sentimentos e perspectivas dos outros, vou me colocar no lugar do outro… etc, etc, etc.
- ESTABELECEM REFORÇOS PREDOMINANTES PARA A ATIVIDADE QUE SÃO INTRÍNSECOS AO ENVOLVIMENTO NO PRÓPRIO PADRÃO DE COMPORTAMENTO. A partir do estabelecimento da coerência entre o falar e fazer, ao pensar que “ser empático” é um valor, comportamentos relacionados à empatia podem ter função reforçadora por sua coerência com o valor declarado.
Se você é pai, mãe ou cuidador próximo de uma criança, você já se perguntou como você pode fazer para ensinar valores?
Ensinar valores às crianças é um processo contínuo e envolve uma combinação de modelação de comportamento (dar modelo), comunicação efetiva e interação constante. Algumas estratégias que você pode utilizar para ensinar valores aos seus filhos:
- Seja um modelo: As crianças aprendem principalmente observando o comportamento dos adultos ao seu redor. Portanto, seja um modelo dos valores que você deseja ensinar. Demonstre comportamentos consistentes com os valores que você valoriza, como família, honestidade, responsabilidade, empatia, etc.
- Ensine habilidades de tomada de decisão: Ajude seus filhos a desenvolver habilidades de tomada de decisão ética, baseada em valores e não somente nos seus desejos imediatos. Uma criança pode, por exemplo, preferir ir para a piscina (reforçadores imediatos de diversão) do que para a festa da avó (local onde não tem brinquedos e vai ser exposta as relações familiares). Discuta diferentes situações e peça a ela que considere quais valores estão em jogo, como pode negociar com seus desejos atuais e como podem aplicá-los para tomar uma decisão adequada.
- Discuta exemplos e histórias: Utilize exemplos e histórias da vida real, livros, filmes ou programas de TV para ilustrar e discutir valores. Analise as ações dos personagens e as consequências de seus comportamentos em relação aos valores. Isso ajuda as crianças a compreenderem como os valores se aplicam em diferentes contextos.
- Envolva-se em atividades significativas: Realize atividades em família que promovam a prática dos valores que você deseja ensinar. Não adianta verbalizar que você valoriza momentos em família e passar todos esses momentos agarrado no celular.
- Promova a autorreflexão: Incentive seus filhos a refletirem sobre seus próprios comportamentos, a considerarem se estão agindo de acordo com os valores que você está ensinando e a entrar em contato com as consequências das escolhas baseadas em valores. Ao escolher a festa da avó à piscina, peça que ele te descreva como foi importante estar vivendo aquela experiência em família. Ajude-os a desenvolver um senso de consciência moral e responsabilidade pessoal.
Lembre-se de que a internalização dos valores requer tempo e repetição. Seja paciente e consistente em seu ensino. Enquanto as crianças se desenvolvem e enfrentam novas situações, é fator protetivo ter referências sobre o que se espera dela de forma saudável em cada situação.
O que é realmente valioso para cada pessoa que chega à terapia?
Talvez já tenha ficado claro que todo mundo tem valores, seja a pessoa mais ou menos consciente deles. Ao explorar os valores de um indivíduo, os psicólogos podem ajudar seus clientes a aumentar a conscientização sobre o que é realmente importante para eles e a alinhar suas vidas de acordo com esses valores, tomar decisões de acordo com aquilo que é importante para eles e, por conseguinte, viver uma vida valiosa, mesmo enfrentando dificuldades e desconfortos.
Os valores são considerados elementos importantíssimos na tomada de decisões e na definição de objetivos significativos. Eles não são os objetivos, mas a partir da definição de objetivos significativos, eu posso viver meus valores de forma mais plena.
Mas então, qual seria a diferença entre o objetivo e o valor? Costumo dizer que o objetivo é aquele degrau que pode me ajudar a viver uma vida valiosa. Então, por exemplo, se eu tenho um valor saúde e identifico que estou acima do peso, eu posso usar o objetivo de perder peso fazendo uma dieta para viver meu valor saúde mais plenamente. Esse objetivo ele vai precisar durar um tempo estipulado (se durar para sempre eu me perco pelo caminho), ele é limitante (todas as vezes que eu como salada, eu deixo de comer coisas “gostosas”) e ele funciona pela lógica do tudo/nada ou certo/errado (todas as vezes que eu como fora da dieta, eu me afasto do meu objetivo). Quando eu atinjo meu objetivo, perco o peso que eu havia estipulado no tempo estipulado, ele acaba ali e eu preciso talvez criar outro objetivo, como manter o peso. Mas meu valor saúde ele não acaba, ele continua me auxiliando a nortear outras coisas que são importantes como a escolha por uma alimentação menos calórica, a prática de exercícios, etc.
O valor funciona por uma lógica mais geral do que a lógica tudo/nada do objetivo. Então se eu tive uma semana mais corrida e não consegui preparar minha salada, no final de semana, quando eu faço escolhas alimentares mais condizentes com o meu valor saúde, isso me traz uma sensação de bem-estar, me lembrando o quanto aquilo é importante pra mim.
Como fazer o cliente identificar seus valores?
O terapeuta pode usar perguntas abertas para incentivar o cliente a refletir sobre o que é mais importante e significativo em sua vida. Por exemplo, perguntas como “O que você valoriza profundamente?” ou “Quais são os princípios pelos quais você gostaria de viver?” podem estimular a reflexão e a expressão dos valores.
Quando o cliente conta sua história de vida, incluindo momentos significativos, experiências desafiadoras e momentos de satisfação pessoal, ele pode identificar temas e valores subjacentes que foram importantes ao longo do tempo. Além disso, ao falar sobre o tipo de pessoa que ele admira, também falará dos valores relevantes para ele.
Outras estratégias mais estruturadas relacionam-se à escala de importância, no qual o terapeuta pode pedir ao cliente para classificar diferentes áreas da vida em termos de importância. Por exemplo, o cliente pode ser solicitado a classificar de 1 a 10 o quão importante é a família, a carreira, os relacionamentos, a saúde, entre outros. Isso ajuda o cliente a identificar as áreas que são mais valorizadas e prioritárias; exercício de escrita, no qual o terapeuta pode fornecer ao cliente atividades de escrita reflexiva para explorar seus valores. Por exemplo, pedir ao cliente que escreva uma carta para si mesmo, descrevendo como gostaria de viver de acordo com seus valores mais importantes. Esse tipo de exercício ajuda a trazer clareza e a visualizar uma vida alinhada aos valores; e experimentos comportamentais, no qual o terapeuta pode encorajar o cliente a realizar experimentos comportamentais para testar a importância e a validade de certos valores. Por exemplo, se o valor do cliente é a saúde, o terapeuta pode sugerir que o cliente inicie uma rotina de exercícios e observe como isso afeta seu bem-estar. Esses experimentos fornecem insights sobre o que realmente importa e traz satisfação pessoal.
Como saber se minhas escolhas estão alinhadas aos meus valores?
Viver uma vida que não está de acordo com nossos valores pode contribuir para possíveis conflitos internos. Uma vez eu atendi uma pessoa que tinha um valor honestidade entre os cinco principais da sua vida. Chegou à terapia, pois vivia uma vida em desacordo com a aprovação dos pais. Ao longo do processo terapêutico descobrimos que a aprovação dos pais não era a parte mais importante. Ufa, pois realmente essa é uma parte que o Psicólogo não teria controle. Mas descobrimos que essa pessoa achava que aprovação dos pais era importante, pois só assim ela poderia viver de forma honesta, sem precisar esconder as coisas deles. Trabalhamos arduamente para que ela pudesse experimentar, que mesmo sem a aprovação, quando ela era honesta, sentia o bem-estar que merecia. Essa resolução de dilemas éticos, auxilia a pessoa a encontrar um senso de direção e propósito em sua vida.
E você? Como está se saindo em relação a viver de acordo com seus valores mais importantes? E por que fiz essa pergunta no plural, “valores” e não “valor”? Por um motivo simples, se eu transformar um único valor como foco da minha vida, provavelmente “os pratinhos da minha vida” ficarão desequilibrados e começarão a cair.
Quando a gente fica hiperfocado em um único valor, provavelmente estamos deixando de lado um monte de coisas que são importantes para a gente e desenvolvemos uma miopia diante de outros valores. Não seria surpresa, que esse excesso comportamental para apenas um valor, funcione como uma ótima fuga/esquiva para um monte de coisa da vida e nos impeça de viver novamente a nossa plenitude e também nos impeça de desenvolver repertório comportamental para viver outros valores plenamente.
Às vezes é difícil perceber essa esquiva, pois essas pessoas fortalecem valores muito importantes socialmente, como trabalho, por exemplo. E negligenciam outros de mesma importância para elas, como família ou lazer, em busca de um convencimento maior que no longo prazo ela conseguirá equilibrar todos esses pratinhos, sendo que ela não exercita. É como imaginar que vai terminar uma maratona sem treinar.
Eu gosto de pensar nos valores como um alvo, dividido em quadrantes. Em cada quadrante existe um valor que é importante para gente, uns 4 ou 5 principais. Quando eu vivo equilibrando “esses pratinhos da minha vida”, mais perto do alvo eu fico e mais bem-estar eu terei. Quando eu preciso focar em apenas um desses valores e deixar um pouco os outros de lado, mais eu vou me distanciando do meu alvo e provavelmente vou experimentando maior desconforto. Pode ser que ao longo da vida, eu precise priorizar algum valor, mas logo que essa prioridade possa ser diluída, é importante voltarmos ao equilíbrio.
Os valores são constantes, mas contextuais em nossas vidas. Você pode ter valores como trabalho, família, amizade, conhecimento, conforto, etc., de forma constante em sua vida, ou seja, sempre é especial para você. Todavia, dependendo do seu momento de vida, você pode viver esses valores de forma diferente: em momentos mais jovens da vida, algumas pessoas vão priorizar o valor trabalho, se formam, se especializam, mudam de cidade por causa do trabalho e vão para o mercado de trabalho. Quando em momentos mais maduros da vida, preferem ficar “mais sossegados” em termos de mudanças, se voltam mais para a família, etc.
Sua vida seria diferente se você fizesse dos seus valores uma prioridade diária?
É bem verdade, que essas pessoas que focam em apenas um valor e deixam de desenvolver outros em sua vida, muitas vezes chegam em estágios mais amadurecidos e ficam muito perdidos. Além disso, aqueles que passam uma vida vivendo os valores dos outros, também se perdem em si. Alguns estudos mostram que um dos arrependimentos mais comuns expressos por pacientes terminais é o desejo de ter priorizado suas próprias escolhas em vez de fazer escolhas para agradar aos outros. Muitas pessoas se arrependem de ter desperdiçado tempo e energia em ações que acreditavam ser boas para os outros, mas que nem haviam sido solicitadas. Ao tentar validar nossa importância na vida de alguém, podemos nos perder e nos afastar de nossa própria felicidade e autenticidade.
Se ao longo da vida, tendemos a delegar as decisões que tomamos, oferecendo-as a pessoas que não pediram por elas, quando por exemplo, trabalhamos incansavelmente para garantir o melhor para nossos filhos, muitas vezes ignorando suas próprias ambições e sonhos, achamos que eles precisam ir pra faculdade que a gente escolheu, fazer o curso que a gente escolheu, se tornar a pessoa que a gente pensou que eles possam ser. Ficamos surpresos e frustrados quando suas escolhas diferem do que imaginávamos, esquecendo de valorizar sua habilidade em tomar decisões com sabedoria.
É crucial refletir sobre essas percepções e considerar a importância de viver de acordo com nossos próprios valores e aspirações, ao invés de priorizar constantemente as expectativas e desejos alheios. Ao fazer escolhas autênticas e alinhadas com nossa verdadeira essência, podemos descobrir uma maior felicidade, satisfação e plenitude em nossas vidas. Além disso, é essencial honrar a individualidade e autonomia das pessoas ao nosso redor, permitindo que elas sigam seus próprios caminhos e façam escolhas verdadeiras para si mesmas. Isso cria um ambiente de respeito, compreensão e amor genuíno, evitando arrependimentos e frustrações futuras em nossos relacionamentos.
Renan Grillo de Almeida
CRP 16/2396
Psicólogo, especialista em Terapia Comportamental. Atua há mais de 10 anos em consultório particular em Vitória, é supervisor clínico, foi professor universitário, ministrou aulas em curso de pós-graduação e de aprimoramentos, e participou de diversos cursos da área clínica.
Anna Beatriz Carnielli Howat Rodrigues
CRP 16/2307
Título de pós-doutorado em Saúde Mental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro,Doutora em Psicologia Experimental e Especialista em Psicologia Comportamental Cognitiva pela Universidade de São Paulo, Mestre em Psicologia e Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo.