wQuando eu era uma psicóloga em formação na graduação, nunca me esqueci de uma aula que tive com uma professora de uma abordagem bem diferente de Análise do Comportamento que dizia que haviam psicólogos que trabalhavam com um pote de MM’s do lado. Juro que na época não entendi a acidez da crítica, mas achei bem curioso ir ao psicólogo que precisasse de um pote de chocolates para atender um paciente, talvez neste momento a cena parecia tão engraçada e literal na minha cabeça, que me marcou. Ao longo do curso, fui “me chegando” para o lado da Análise do Comportamento e logo essa imagem dos chocolates me parecia uma completa besteira e uma crítica de quem não sabe da outra abordagem. Todavia, a confusão que se faz em relação aos reforçadores é algo que vemos muito ao longo do caminho. Então a dúvida, você sabe o que são reforçadores?
Quando Skinner escreveu sua teoria baseada na análise do contexto-comportamento-consequência, apesar dele parecer bastante simplista, não há nada de simples na análise. Existem muitos poréns para o que vem a ser contexto, comportamento e consequência. Quando estamos falando de reforçadores, estamos falando de um tipo de consequência enunciada pelo autor. Então reforçadora é a consequência, é a função que algo pode assumir. E como eu sei se esse algo está sendo reforçador ou não, se ele está aumentando a frequência do comportamento que o antecede. Então, isso não tem a ver com características desse algo, não importa se há um julgamento social de que é algo bom, bonito ou gostoso, mas sim se o comportamento que o antecede se torna mais frequente no repertório da pessoa.
Então vamos a um exemplo: Meu afilhado está em um processo de desenvolver a fala no auge dos seus 1 ano e 7 meses. É uma criança que eu conheço, convivo e estou frisando isso para que você leitor tenha clareza de que é uma criança que eu estou por dentro do repertório comportamental. Estive com ele por dois dias seguidos. No dia 1, ele queria um tabuleiro de bolo que estava na minha mão e se espichou para pegar. Chata que sou, me abaixei e pedi que ele repetisse: “Me dá”, ele continuou se espichando para tentar pegar o tabuleiro, afinal é assim que até hoje ele consegue ter os objetos que deseja, mas dessa vez ele não conseguiu, porque eu estava ali disposta a desenvolver este repertório com ele e entregar o tabuleiro quando ele verbalizasse. Depois de algumas tentativas dessa interação ele verbalizou um “aaaaa” e eu falei com empolgação pra ele “Dá, é isso! Toma aqui seu tabuleiro” e ele ficou brincando com o objeto. Assim foi com mais outras coisinhas que ele quis: água, brinquedo, etc. e a cada interação eu percebia menos dificuldade em verbalizar o “aaaaa” para me pedir o que queria. Ou seja, a frequência do comportamento de verbalizar “aaaaa” aumentava, certo? Neste caso, o que estava sendo reforçador? Não era necessariamente o objeto em si, mas sim ter o objeto em mãos, essa era a consequência reforçadora. Ele poderia querer pegar o jiló e não importaria se o jiló fosse amargo e ruim, desde que ele tivesse o jiló na mão assim que verbalizasse “aaaa”. Fez sentido até aqui? Pois bem, no dia 2, ele queria o suco de uva que eu estava bebendo, espichou a mão para pegar e eu pedi que falasse “Me dá”. Rapidamente ele repetiu “dááá”. Achei a coisa mais fofa do mundo e mais empolgada do que no dia anterior, dei o copo de suco na mão dele e ele bebeu um pouquinho. E assim vai acontecendo esse aprendizado, a cada episódio, mais frequente, mais correspondente ao modelo até que ele consiga verbalizar de forma crescente em seu repertório comportamental: “Me dá”, “Me dá o suco”, “Dinda, me dá o suco”.
Depois desse exemplo, ficou claro por que eu não posso dizer que palma, elogio, chocolate e chiclete mastigado é reforçador? Porque assim, sem contexto, esses itens não podem ser reforçadores, pois para identificarmos eles como reforçadores precisamos analisar se eles aumentam a frequência do comportamento que o antecede. Não é porque convencionamos socialmente que essas coisas parecem legais, que podemos chamar de reforçadoras. Inclusive, vamos pensar aqui, diante de uma criança que ao comer chocolate passa mal por causa de uma alergia (consequência aversiva), dificilmente chocolate será reforçador para essa criança. Diante de uma pessoa que tem uma história desastrosa com elogios, o elogio pode funcionar como consequência aversiva. Que fique claro, os reforçadores precisam ser analisados diante da história de vida de cada um.
Ok, entendi até aqui, mas o chocolate pode ser reforçador em sessão de terapia? Veja bem, itens comestíveis podem ser reforçadores sim, e é importante frisar que em casos bem pensados e específicos. Isso porque chamamos de reforçadores primários aqueles eventos que são reforçadores para os indivíduos de uma espécie e tem valor inato, como por exemplo, alimento e água. Mas vocês concordam comigo que se eu preciso lançar mão de um reforçador primário para desenvolver um repertório temos uma questão bem importante: este é um indivíduo que possui um repertório comportamental limitado, como um recém nascido, por exemplo, ou de uma pessoa que apresenta muitas limitações de aprendizado e ainda não desenvolveu algum repertório comportamental para operar em seu meio.
As palmas, como evento reforçador, devem ser classificadas como reforçador secundário, dizemos isso, pois seu valor deve ser aprendido por meio da experiência, não têm valor biológico inato. Aquele que aprende o valor das palmas, provavelmente fica muito orgulhoso de si mesmo quanto mais palmas recebe. Tenho que concordar que na nossa cultura ensinamos cedo as nossas crianças que palmas sucedem um comportamento adequado, muito provavelmente isso aconteça porque o “aplauso” é uma das habilidades que se desenvolve entre 8 e 11 meses como marco de desenvolvimento das habilidades motoras e vem no mesmo pacote de algumas habilidades importantes como sentar, empurrar objetos, engatinhar, etc. então é bem comum pais de filhos pequenos usarem “aplausos” diante de uma nova habilidade motora e essa habilidade ir aumentando de frequência e ficando cada vez mais desenvolvida. Mas quem tem filhos e já passou por isso, pode confirmar minha descrição: tão logo a criança desenvolve habilidades sociais e principalmente habilidades de se comunicar, as palmas vão perdendo espaço para outros eventos reforçadores poderosos, como o olhar de aprovação, a interação que ali acontece, entre outros eventos que podem ser classificados como reforçadores. Além disso, durante nosso amadurecimento vamos aprendendo o contexto dos aplausos: em uma apresentação de trabalho, quando vamos a um show ou espetáculo teatral, essa é uma boa medida para sabermos se o público curtiu ou não o desempenho daquelas pessoas.
E o elogio? É tão comum ouvirmos no consultório “Ah, mas eu elogio muito meu filho.”. O elogio que não tem correspondência descritiva ao desempenho da criança, muitas vezes não funciona como evento reforçador. Você sabia disso? Um estudo bem famoso sobre isso é o de Carol Dweck. Ela trabalhou com 400 alunos de 5º ano divididos em dois grupos desenvolvidos ao longo do experimento como “os inteligentes” e “os esforçados”. Eles tinham quatro tarefas a serem feitas: (a) um teste de QI simples para idade que ao final os pesquisadores elogiavam metade com “Você deve ser muito inteligente” e a outra metade com “Você deve ter se esforçado bastante para conseguir este resultado”; (b) uma escolha entre uma tarefa complexa ou uma tarefa simples e significativamente “os inteligentes” escolheram a tarefa simples; (c) uma tarefa com nível de dificuldade elevadíssima, em que o desempenho foi ruim para todos os grupos, mas “os esforçados” persistiram mais; e (d) uma tarefa como a primeira que “os esforçados” melhoraram significativamente seus desempenhos e “os inteligentes” pioraram seus desempenhos. O estudo concluiu que aqueles que foram elogiados para o resultado (inteligentes) preferiram manter seu “status” de inteligente a se arriscar em tarefas mais complexas, diferentemente daqueles elogiados pelo processo (esforçados). Analisando o comportamento de se engajar na tarefa, identificamos que o evento reforçador aconteceu para o grupo “dos esforçados”, mas não para o grupo “dos inteligentes”.
Bem, vou me eximir de falar do chiclete mastigado, pois o usei muito mais com a função de dar graça ao título, rs. Mas queria terminar esta reflexão pensando na arbitrariedade ou naturalidade das consequências as quais expomos ou estamos sendo expostos. Palmas, elogios, notas escolares, consequências arbitrárias com função de instalação e manutenção de comportamento. Também cito como “auge da arbitrariedade” um procedimento bastante utilizado dentro da psicologia e fora dela, muitas vezes de forma equivocada, que prevê um conhecimento importante de reforçadores e um bom manejo do que chamamos de contingência (contexto-comportamento-consequência) para funcionar: a economia de fichas.
A economia de fichas é um procedimento utilizado para motivar a emissão de comportamentos desejáveis que estão ausentes ou presentes em baixa frequência no repertório de uma pessoa. Fichas, símbolos ou pontos são usados como consequência arbitrária contingente à emissão do comportamento e, posteriormente, essas fichas são trocadas por “prêmios” mais efetivos. No procedimento, os comportamentos alvos escolhidos devem ser possíveis de serem realizados pela criança, devendo-se aumentar a dificuldade gradativamente. Então, não é um quadro que você irá fazer uma única vez e nunca mais vai lembrar dele. Se você está disposto a implementar a economia de fichas, lembre-se que é um procedimento longo, gradual e dinâmico. Precisa de engajamento de quem está implementando o procedimento. Assim, a criança pode alcançar seus objetivos, sendo reforçada e motivando-se a continuar com o processo. No acordo ou no contrato prévio, deve-se também combinar com a criança como será esse aumento de dificuldade gradativa para se alcançar as fichas. Com o tempo e o espaçamento da liberação da consequência arbitrária, espera-se que a consequência natural vá ganhando mais valor para a criança até o momento que possamos suspender o procedimento.
Eu chamo a consequência de arbitrária, pois no dia-a-dia, as pessoas não se comportam para ganhar fichas ou pontos, ou palmas, ou elogios, mas com a repetição do procedimento, por associação, esta ficha adquire um valor de reforçador generalizado (assim como o dinheiro no mundo real) e dá acesso a uma série de eventos que são muito reforçadores para a pessoa. Consequências arbitrárias são artificialmente programadas por pais, professores, terapeutas, para que sejam produzidas pelas respostas que desejamos que ocorram. A consequências naturais são aquelas que não precisam ser programadas para que sucedam os comportamentos, elas acontecem intrinsicamente ao comportamento.
Vamos a mais um exemplo: o comportamento de estudar apresenta arbitrariamente a consequência de tirar nota e naturalmente a consequência de saber a matéria. No dia-a-dia a pessoa naturalmente não se comporta para ter nota, essa é uma relação aprendida ao longo da sua vida escolar. A nota permite ela passar de ano, mas não ajuda a pessoa em sua rotina, não auxilia na conversa com outras pessoas, nas ideias que podem surgir a partir daquele conhecimento; já o saber a matéria naturalmente pode ser usado nestes outros aspectos. Quando a pessoa passa a ser sensível ao efeito do saber nesses outros aspectos da vida, ela não precisa mais das consequências arbitrárias para manter aquele comportamento.
Desta forma, não há nenhum problema na arbitrariedade da consequência, esse é um recurso que usamos com muita frequência em nossas vidas. A questão é que a sutileza dos processos de reforçamento do viver muitas vezes faz com que vamos substituindo de forma gradual um reforçador arbitrário por um natural. Lembra o exemplo que dei das palmas?. Quando a gente não substitui, o reforçador arbitrário vai perdendo o seu valor e precisamos encontrar algo mais valorizado para substituí-lo, além de dificultar o processo de manutenção do comportamento, quantos pais por aí não tem dificuldade com o filho que atinge a nota para passar de ano e não quer mais saber de estudar naquele ano.
Sempre que possível, aposte nas consequências naturais do comportamento. Quanto mais eu me comporto pela consequência natural do meu comportamento, mais prazeroso é realizar aquela tarefa para mim. De outra forma, se em meu ambiente há um excessivo uso de consequências arbitrárias, eu acabo tendendo a fazer algo só quando eu preciso daquela consequência. Por isso, quando trabalhamos com consequências arbitrárias, é sempre importante que elas apareçam junto de consequências naturais e com o tempo, vamos tirando as consequências arbitrárias e deixando que as consequências naturais se sobressaiam. Por fim, ficou claro que nada é reforçador a priori? Toda consequência deve ser analisada dentro de um contexto e só poderá ser chamada de reforçadora se tiver a função relacionada ao aumento da frequência do comportamento antecedente.
Anna Beatriz Carnielli Howat Rodrigues
CRP 16/2307
Doutora em Psicologia Experimental e Especialista em Psicologia Comportamental Cognitiva pela Universidade de São Paulo, Mestre em Psicologia e Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo.