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Não raro, encontramos no consultório pessoas “mil e uma utilidades” que nos relatam que todos ao redor os buscam e o querem perto. Para estes, refletimos sobre “e se você não fosse tão bom assim no que faz, quem te amaria?”. Talvez seja uma pergunta ácida para uma reflexão necessária: as pessoas me amam pelo o que eu sou, ou pelo o que eu faço?

Vemos recorrentemente no rosto daqueles que são amados por aquilo que fazem o peso de nunca poder parar de fazer e o peso de sempre ter que fazer certo, a fim de que se sintam amados. O fato é que se sentir amado não necessariamente deveria estar relacionado a um fazer bem e quando está, temos uma confusão sobre sentimentos relacionados à autoestima e autoconfiança.

O sentimento de autoestima diz respeito a sensação da pessoa se sentir amada pelo simples fato de existir como pessoa, pelo fato dela pertencer a um grupo. Já o sentimento de autoconfiança, diz respeito a sensação da pessoa em realizar uma tarefa e, ao chegar ao final da tarefa, sentir que foi bem-sucedida na mesma e que tem competência para realizá-la.

Quando elogiamos, abraçamos, acompanhamos e compreendemos nossos filhos que agem de acordo com nossos critérios, ensinamos a eles os comportamentos que valorizamos na família e isto tem um valor importantíssimo para nortear a conduta das crianças, todavia, isso não valoriza o ser e sim, o fazer. Uma pessoa que se lembra de ter sido abraçada, compreendida, apoiada quando fez algo que magoou os pais, certamente, sentiu que os pais a amavam, independente do seu desempenho, dizemos que não apenas seus comportamentos foram amados. Ele era amado.

A pessoa que relata que os pais sempre a elogiaram, apoiaram, não lembra de conflitos importantes e, no entanto, sente um vazio afetivo difícil de ser entendido, provavelmente, é uma pessoa que sempre se comportou de maneira adequada, de acordo com os critérios dos pais, e por isso foi elogiada. Nunca foi punida porque não ousou fugir dos critérios de bom comportamento em vigor. Não foi punida, de fato, mas nunca se sentiu livre para quebrar os limites, a fim de testar a relação com os pais. Enfim, essa pessoa acaba não se sentindo amada.
Como podemos desenvolver o sentimento de autoestima em nossos filhos? A primeira orientação diz respeito ao foco na pessoa e não no comportamento, como seria isso na prática?

“Você̂ me deixou feliz com seu boletim” é um tipo de comunicação que favorece a autoestima mais do que “As notas do seu boletim me deixaram feliz”. Quando um pai chega do trabalho, senta-se relaxado ao lado do filho no sofá, dá-lhe um abraço e diz: “Como foi seu dia hoje? Estava com saudades.”, ele não está observando se o filho está emitindo ou não um comportamento adequado, para só então dar-lhe carinho. Nesse momento, o pai esquece os comportamentos e ama o filho.

Outra forma de desenvolver sentimentos de autoestima nas crianças, diz respeito a flexibilização das expectativas dos pais sobre a criança. Pais que julgavam como “certo” e “adequado” a escolha do filho por uma profissão x, por exemplo, que nada tenha a ver com aquele filho, não facilitam o desenvolvimento da autoestima neste contexto.A profissão medicina, tão valorizada em nosso meio social, não é adequada para alguém que não consegue ver sangue ou ache doido receitar remédios. Talvez essa pessoa teria que investir em algo que não seja relacionado a área da saúde, mesmo que tal escolha não seja “adequada” para os pais, ou mesmo lhe traga consequências não tão agradáveis assim (exemplo: pensar que o filho não vai ter uma vida financeiramente confortável por escolher uma profissão fora da área da saúde que não seja tão valorizada quanto medicina). Apenas quando a criança/adolescente receber atenção, apoio, incentivo dos pais, por comportamentos que geram reforços para ela e não geram diretamente para os pais, ela discriminará que não está “pagando” pelo carinho dos pais com bons comportamentos.

E o sentimento autoconfiança? Como podemos desenvolvê-lo em nossos filhos?

O sentimento de autoconfiança está associado aos comportamentos bem-sucedidos.A dimensão fundamental para desenvolver autoconfiança é que a criança tenha a possibilidade de agir e produzir consequências no seu ambiente que fortaleçam tal ação.
Assim, se uma mãe vai até a padaria e pede para o filho esperá-la no carro, enquanto ela desce, compra o pão, o leite e um docinho que entrega para o filho, essa mãe não criou condições para o filho emitir comportamentos. Se, pelo contrário, ela lhe diz: “Filho, desça e compre pão, leite e um docinho para você, enquanto estaciono o carro”, ela criou oportunidades para o filho agir e ser bem-sucedido. A criança pede o pão e a balconista entrega-lhe o pão. Vai até o caixa e etc. A criançase sente capaz, segura, autoconfiante.

Em segundo lugar, não basta os pais criarem condições para o filho emitir comportamentos, se essas condições não forem adequadas.No exemplo da padaria,a mãe deveria descer do carro com o filho nas primeiras tentativas, entrar com ele na padaria e ajudá-lo a ter sucesso nos seus comportamentos. Por exemplo, chamando a balconista e lhe dizendo: “Meu filho quer lhe fazer um pedido.” O ponto importante é que assim a criança adquire os comportamentos esperados, praticamente sem cometer erros. É desta maneira que se pode desenvolver o sentimento de autoconfiança que acompanha o comportamento bem-sucedido.

Quando a criança é solicitada a ter desempenhos muito complexos para seu nível de desenvolvimento, ela pode se recusar a atender o pedido da mãe, eventualmente pode chorar ou dar uma desculpa: “Não quero pão.”; “Não quero chocolate.”, quando de fato está dizendo: “Não quero entrar sozinha na padaria”. De outra forma, quando a mãe faz tudo pela criança e com a criança, ocorre um apego exagerado entre elas e a separação da mãe, mesmo por curtos períodos, se torna difícil para a criança que pode ter reações emocionais tais como choro, birras nos momentos de afastamento e mais tarde, se não for alterada a situação, podem aparecer fobias sociais ou de situações.
Altas exigências de desempenho devem ser evitadas. Existem situações especiais em que se exige alta precisão de desempenho (numa microcirurgia, por exemplo) ou esforços exagerados (numa maratona olímpica, por exemplo), mas são raras se comparadas com a vida cotidiana. Assim sendo, os pais devem estar sempre revendo seus critérios de exigência: nem sempre um pouco mais daquilo que é bom é, necessariamente, melhor. Exigências amenas evitam sentimentos de ansiedade, medo, preocupação e evitam comportamentos de fuga-esquiva, portanto, são mais recomendáveis.

É importante que o desenvolvimento de sentimentos de autoestima e autoconfiança caminhem juntos. Famílias super-protetoras podem gerar filhos com elevados sentimentos de autoestima, pois recebem mais reconhecimento do que seus comportamentos reais justificariam receber, mas com repertórios limitados de comportamentos para enfrentar a vida cotidiana. O resultado é uma pessoa dependente dos outros para lidar com seu contexto de vida, mas que gosta de si mesma com exagero. Outras famílias podem ser indiferentes, distantes dos seus filhos, produzindo baixo sentimento de autoestima, mas quedesenvolvem complexos repertórios de comportamentos bem-sucedidos e elevados sentimentos de autoconfiança. São pessoas que podem ser eficientes na sua atuação profissional e cotidiana, mas são dependentes afetivamente de outras pessoas, sensíveis àperda de afeto e de companhia e fazem, em geral, péssimas escolhas afetivas.

Tudo o que foi exposto não exclui a importância de dar limites para a criança. Assim, dizer “não”, proibi-la de fazer determinadas coisas, impedi-la quando os comportamentos emitidos apresentam riscos para a segurança dela e de outros são parte necessáriado desenvolvimento comportamental e afetivo de uma criança. Ela precisa sofrer frustrações e aprender a lidar com elas. A criança não se sentirá pouco amada porque sofre restrições e frustrações que são contingentes a comportamentos inadequados.

Este texto foi adaptado de Guilhardi, H. J. Auto-estima, autoconfiança e responsabilidade
Disponível em www.itcrcampinas.com.br.
O texto do Guilherdi é uma referência que usamos com muita frequência em consultório. Pelo fato do texto ter mais de 60 págs e alguns termos técnicos, resolvemos adaptar para o contexto clínico de forma a garantir uma maior frequência de leitura por parte dos clientes. Este texto corresponde ao oitavo texto da cartilha do programa de orientação de pais.

Produzido por:
Anna Beatriz Carnielli Howat-Rodrigues
CRP 16/2307

Yara Alvez Costa Justino
CRP 16/4527