A relação entre nossas rotinas diárias, hábitos e as práticas repetidas que organiza nosso tempo, influencia diretamente nosso funcionamento cerebral, contribuindo para a nossa percepção de previsibilidade, estabilidade e, consequentemente, para nosso senso de segurança essencial ao nosso bem-estar psíquico.
Pesquisas robustas na área da neurociência (Graybiel, 2008) sobre os circuitos neurais envolvidos na formação de hábitos demonstram como a consistência da rotina facilita o engajamento regular em nossas atividades sociais, profissionais e acadêmicas, otimizando nosso desempenho e reduzindo a sobrecarga cognitiva associada à constante tomada de decisões sobre o que fazer a cada instante.
Contudo, a rotina, por vezes, pode perder sua leveza e se tornar cansativa perdendo a espontaneidade e a alegria. É nesse ponto que a ciência nos apresenta um contraponto valioso: a grande importância das pausas estratégicas. Estudos investigando os benefícios do “downtime” mental apontam para o papel crucial desses momentos na restauração da atenção e do foco. Pesquisas sobre a fadiga de decisão (Baumeister et al., 1998) sugerem que pausas podem ajudar a reabastecer os recursos cognitivos esgotados pela concentração contínua.
Um dos mecanismos cerebrais chave que entra em ação durante esses períodos de descanso é a Rede de Modo Padrão (RMP), também conhecida como Default Mode Network (DMN) (Hallowell, & Ratey, 2022). Como explorado em estudos de Raichle et al. (2001), a RMP se torna mais ativa quando não estamos engajados em tarefas direcionadas externamente. É durante esses momentos de “mente divagante”, de devaneio e de introspecção, que a RMP assume o protagonismo. Ela está envolvida em processos cruciais como a recuperação de memórias, a reflexão sobre o passado e o futuro, a elaboração de cenários hipotéticos e a própria construção do nosso senso de self. A ativação da RMP durante as pausas pode facilitar insights criativos e a consolidação de aprendizados (Buckner et al., 2008).
Essa rede funciona muitas vezes em conjunto, mas muitas vezes em alternância com a Rede de Processamento de Tarefa, também conhecida como Task Positive Network (TPN), é um conjunto de áreas cerebrais que se ativa quando estamos envolvidos em tarefas que exigem atenção focada, controle executivo, resolução de problemas ou ação dirigida a objetivos. Essa rede inclui regiões como o córtex pré-frontal dorsolateral e o córtex parietal posterior, sendo responsável por manter o foco no ambiente externo e em demandas cognitivas imediatas. Quando a mente está concentrada em atividades que requerem esforço mental deliberado — como cálculos, leitura atenta ou tomada de decisões (Hallowell, & Ratey, 2022).
Entretanto, é importante discernir entre uma pausa revigorante e uma fuga improdutiva. Se a pausa se estende demasiadamente, corremos o risco de nos desviarmos para a procrastinação e de sentirmos a frustração da improdutividade. Uma pausa deve ser um respiro consciente, um investimento no nosso bem-estar e na nossa capacidade de retornar à rotina com renovada energia e clareza.
A ausência total de rotina, embora sedutora em curtos períodos como as férias, revela-se, a longo prazo, exaustiva para os nossos recursos cognitivos. A constante necessidade de decidir e planejar cada instante consome uma energia preciosa, abrindo espaço para responder aos impulsos emocionais, nem sempre os mais saudáveis.
A rotina nos ancora, mas as pausas nos permitem velejar com mais leveza e criatividade pelos mares das nossas atividades diárias.
Referências
Baumeister, R. F., Bratslavsky, E., Muraven, M., & Tice, D. M. (1998). Ego depletion: Is the active self a limited resource? Journal of Personality and Social Psychology, 74(5), 1252–1265.
Buckner, R. L., Andrews-Hanna, J. R., & Schacter, D. L. (2008). The brain’s default network: Anatomy, function, and relevance to disease. Annals of the New York Academy of Sciences, 1124(1), 1–38.
Graybiel, A. M. (2008). Habits, rituals, and the evaluative brain. Annu Rev Neurosci :31:359-87. doi: 10.1146/annurev.neuro.29.051605.112851.
Raichle, M. E., MacLeod, A. M., Snyder, A. Z., Powers, W. J., Gusnard, D. A., & Shulman, G. L. (2001). A default mode of brain function. Proceedings of the National Academy of Sciences, 98(2), 676–682.
Hallowell, E. M., & Ratey, J. J. (2022). TDAH 2.0: Os últimos avanços da ciência para lidar com o déficit de atenção e a hiperatividade – Estratégias para crianças e adultos (1ª ed.). Objetiva.)
Escrito por:
Anna Beatriz Carnielli Howat Rodrigues
CRP 16/2307
Título de pós-doutorado em Saúde Mental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Doutora em Psicologia Experimental e Especialista em Psicologia Comportamental Cognitiva pela Universidade de São Paulo, Mestre em Psicologia e Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo.