Skip to main content

Esse título? Lá vai meu ímpeto polêmico com vontade de se expressar, rs.

Quem nunca ouviu aquela pessoa que precisa começar a cuidar da saúde ou organizar melhor sua rotina, por exemplo, dizer que não o faz por falta de motivação, ou que não tem “vergonha na cara”.

Bem, se essa pessoa já entendeu as perdas que estão em jogo, esperar o emocional agir para agir, sem dúvidas é sinônimo de um comportamento pouco efetivo. E tem mais: a força de vontade não é um recurso infinito. Pelo menos aqui dentro de mim, força e vontade acabam, rs. Quando eu durmo mal, quando o dia foi atropelado de demanda, quando filho tá doente… tudo isso faz acabar. E é por isso, que eu serei mais efetiva, nessas horas, me comportando de acordo com minha razão e com minha emoção, juntas. Se não, eu fico literalmente a espera de um milagre.

A força de vontade pode ser entendida como habilidades suficientes de autodisciplina e autocontrole, certo? Essas habilidades estão intimamente relacionadas ao córtex pré-frontal, a região do cérebro responsável por tomar decisões conscientes, controlar impulsos e resistir a tentações. Quando exercemos força de vontade, como resistir a uma tentação ou fazer algo que não queremos, o cérebro precisa de energia e esforço cognitivo para manter o autocontrole.

“Mas que chato, isso parece pouco legal, logo, pouco dopaminérgico.”

Depende… você acredita que podemos tornar nossa busca de prazer autocontrolada, efetiva e dopaminérgica?

Primeira coisa que a gente precisa discutir é que buscar o prazer e fugir do desprazer a qualquer custo não faz você se sentir o alecrim dourado mais feliz do mundo. Sim ou com certeza? Mas se você quiser consultar alguém que tem mais “likes” que eu, rs, é só abrir aí o Nação Dopamina de Anna Lembke.

Brincadeiras a parte, o hambúrger do final de semana só pode ser dopaminergicamente delicioso se ele não for um hábito, se não, ele é somente mais um hambúrger da sua dieta e não “o hambúrger da sua dieta”, você não vai encontrar essa “explosão” de prazer que procura. Então, já estamos combinados neste ponto que sim, você precisa assumir um pouco de desconforto para ter conforto, felicidade, prazer.

Além disso, podemos manejar nosso autocontrole para ele se tornar dopaminérgico. Mas como podemos fazer isso? Uma boa ideia é trabalhar com a perspectiva temporal de curto e longo prazo. Ora, aquele que tem pouca força de vontade, possivelmente é uma pessoa mais voltada para o curto prazo, enquanto alguém com muita força de vontade, responde bem ao longo prazo.  A dopamina, essa molécula do prazer e da motivação, não é ativada só por recompensas imediatas, mas também pela antecipação delas. Ou seja, se o seu cérebro entender que há algo bom no caminho, ele já começa a liberar dopamina antes mesmo de você chegar lá. Então, a chave para tornar o autocontrole mais gostoso é criar pequenas doses de prazer ao longo do processo.

Pensa assim: você quer manter uma alimentação mais equilibrada, isso é um valor para você e viver de acordo com nossos valores é algo que nos dá o norte para a vida, mas toda vez que pensa na sua alimentação, parece um sacrifício enorme. E se cada refeição saudável for associada a um miniprazer como algo prático e já preparado, um prato bonito, um ritual gostoso… entende que o cérebro começa a gostar da ideia?

Agora, ponto super importante, que não podemos negligenciar. Não há autocontrole e autodisciplina suficentes diante de um ambiente insuficiente. Desde as primeiras pesquisas sobre o tema, a gente sabe que precisamos manejar nosso ambiente para poder responder de forma menos impulsiva. Esse é um tipo de controle externo e meu exemplo clássico tem a ver com fazer exercícios regulares. Para mim que não gosto tanto de uma rotina de academia é muito mais provável que eu consiga ter autocontrole ao ter uma turma e um horário fixo para treinar, que se eu não for eu perca a aula, ter uma turma legal para participar na academia, manejar num horário que eu não vou pensar em algo que esteja concorendo com esse estímulo – aqui funciona bem o acordou e vai sem pensar. O manejo do ambiente cria contextos favoráveis, que envolvem a liberação de serotonina e endorfinas, neurotransmissores que proporcionam sensações de bem-estar e motivação e aumentam a probabilidade de que eu continue treinando.

E daí você precisa lembrar que repetição é mais importante que motivação. Quanto mais vezes um comportamento é repetido em um contexto específico, mais fácil ele se torna de ser realizado automaticamente, ou seja, nosso cérebro passa a executar a ação sem exigir esforço consciente ou “força de vontade”. Por exemplo, pensa em você que já dirige há 20 anos e se compara com você que tinha acabado de tirar a carteira. Hoje você não pensa mais muito sobre o que fazer para que a baliza dê certo, você só faz. Usar força de vontade para controlar ações automáticas a todo momento é simplesmente insustentável. O processo de automatização envolve a diminuição da atividade na córtex pré-frontal, responsável por decisões conscientes, e o aumento da atividade nas regiões que gerenciam processos automáticos, e specialmente no nervo caudado na região do estriado, que lida com o aprendizado de hábitos e comportamentos automáticos.

Lembra, que esse exemplo da direção pode ser facilmente expandido pro exercício físico ou hábitos alimentares mais saudáveis. Talvez, nestes casos, a sensação que as pessoas tem sobre precisar da força de vontade, tem a ver com os momentos que se chuta baldes e eles precisam ser resgatados.

Mas veja bem, eu falo muito com meus pacientes que na vida adulta baldes são chutados com muita facilidade. Isso faz parte da complexidade que temos que encarar. Do ambiente que muda de uma forma mais constante e você precisa tomar decisões (ex: uma carga de trabalho que as vezes invade a vida pessoal, um filho doente que exige uma decisão sobre o trabalho, etc.). Bem vindo, isso é a vida adulta… rs. Se com o manejo do ambiente já é difícil, imagina se você não vê isso como importante, se você decidir que faz quando der… então, meu caro, você realmente nunca fará.

De qualquer forma, humanizando as chutada de balde, tenha certeza que é menos importante os baldes que se chuta do que aqueles que você resgata. Talvez depois de um mês de férias, é mais dificil voltar a rotina de atividade física e tem gente, que pela “falta de força de vontade”, nunca mais resgata esse tipo de balde. É nessas horas que precisamos ainda mais manejar nosso ambiente para garantir nosso resgate. O despertador talvez precise tocar longe da cabeceira, talvez seja importante eu marcar com um bom amigo daquele horário e assim a gente vai fazendo o controle externo funcionar pro nosso controle interno se reestabelecer novamente.

Escrito por:
Anna Beatriz Carnielli Howat Rodrigues 
CRP 16/2307 
Título de pós-doutorado em Saúde Mental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Doutora em Psicologia Experimental e Especialista em Psicologia Comportamental Cognitiva pela Universidade de São Paulo, Mestre em Psicologia e Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo.

Dra Bia Howat é idealizadora e apresentadora de um videocast junto com Fernanda Mappa (@fernandamappa.pi) e Pollyana Paraguassu (@pollyanaparaguassu) chamado Invisible (@social.invisible) que vai ao ar no Youtube do Folha Vitória (@folhavitoria).

Leave a Reply