Skip to main content

Você é aquele tipo de pessoa que tem a sensação que a grama do vizinho é sempre mais verdinha? Que tudo atrapalha o que você faz, mas para os outros parece tão fácil? Bem vindo a cultura da escassez, que tanto afeta o nosso bem-estar emocional e mental.

O conceito de mentalidade de escassez é algo que vem sendo discutido cada vez mais em estudos de Psicologia, Economia e Ciências Sociais, e suas implicações são profundas para quem lida com a falta de recursos, especialmente no que se refere ao dinheiro e ao tempo.

O que é a Mentalidade de Escassez?

No livro Escassez: Uma Nova Forma de Pensar a Falta de Recursos, Mullainathan e Shafir (2016) propõem uma reflexão sobre como a escassez, seja ela real ou percebida, afeta o comportamento humano. A escassez financeira, por exemplo, ocorre quando uma pessoa não tem recursos suficientes para cobrir suas necessidades básicas. Isso pode ser uma situação concreta ou algo que a pessoa sente, mesmo que não seja objetivamente verdadeiro.

Mas como assim, sente e não é verdadeiro? Calma que vou explicar. Quero que você se lembre da última vez que você entrou nas redes sociais de alguém e viu alguém postando que estava malhando, fazendo dieta e emagrecendo. Se você é uma pessoa que luta contra a balança, logo pensou que “todo mundo consegue, menos você”, “que até essa pessoa que era mais acima do peso conseguiu e com você nunca dá certo”, “que você fracassa”. Você se compara com a parte do outro que te falta, sem saber tudo o que o outro enfrenta para chegar aquele resultado. Como o que você enfrenta, você sabe, você tem a percepçãp que para você é muito mais conturbado do que pro outro. Isso tem a ver com o que as abordagens cognitivas chamam de viés cognitivo da comparação.

Mas o que realmente chama a atenção é a percepção que se forma a partir dessa escassez. A lente que você coloca nos seus óculos para ir viver e interpretar o mundo. Trata-se de uma forma de ver o mundo em que a falta de recursos – seja dinheiro, tempo, magreza, etc – se torna o foco central. O foco fica estreito e todos as nossas questões ficam resumidas ao “o que eu não tenho”. Essa lupa aumentada acontece porque o cérebro, ao se sentir ameaçado pela falta, se concentra em resolver questões imediatas. A longo prazo, isso pode levar a um ciclo de decisões que priorizam a sobrevivência e a urgência em detrimento do planejamento a longo prazo (Mullainathan & Shafir, 2016).

E vamos combinar que hoje em dia é muito fácil cair nessa falácia. Pensa comigo, se antigamente você se comparava com seus primos, irmão, no máximo vizinhos ou colegas de classe, hoje, com o acesso que a gente tem as redes sociais, nos sentimos íntimos e comparáveis aos nossos ídolos, ou nem tão ídolos assim, mas enfim, pessoas que vivem uma realidade bem diferente da nossa.

E aí, vem uma enorme sensação de fatalismo – um pensamento do tipo: enquanto eu não for rico o bastante, enquanto eu não for magro o bastante, enquanto eu não tiver tempo o bastante, então eu… e a gente vai completar essa frase com todas as limitações do mundo que fortaleçam a crença de que não há como mudar a situação a não ser que seja abundante a minha falta. Isso pode gerar uma sensação de impotência e de falta de controle, especialmente em relação à saúde mental e ao bem-estar. E é por isso que Brené Brown, em eu livro “A coragem de ser imperfeito” nos convida a pensar que o contrário da escassez não deva ser a abundância, porque isso nos projeta para um futuro que não vamos atingir ou não vamos atingir agora, mas sim que deva ser a suficiência, levando-nos a entender que o hoje, minhas habilidades atuais, meu contexto atual, são o que eu tenho e suficiente para viver uma vida plena.

Mas Bia, o sentimento de escassez também não pode ser interessante para que a pessoa saia do lugar, afinal, se eu não tenho o recurso e decido que entao preciso garantir mais recurso isso não é importante? Eu vou te responder que é importantíssimo, mas nesse caso é diferente do caso que eu me comparo com uma realidade do outro que não tenho acesso. Pegando o exemplo de uma pessoa que luta a vida toda com a balança: se ela chegou a conclusão que ela precisa emagrecer, pois isso vai trazer saúde e bem-estar para ela, como dados de realidade. Essa situação de falta pode deixar ela motivada a buscar soluções criativas para a realidade dela e isso pode levar a uma maior eficiência, especialmente quando se trata de otimizar o uso de recursos limitados. A escassez, nesse caso, se torna um impulsionador de soluções inovadoras. Esse foco na solução imediata também pode gerar uma sensação de controle, especialmente quando a pessoa percebe que pode mudar sua realidade, mesmo que aos poucos.

Conclusão

A mentalidade de escassez nos mostra como a falta de recursos pode limitar a visão afetando diretamente nossa qualidade de vida e saúde mental. Principalmente quando estamos falando de uma realidade que não é compartilhada com outras pessoas, quando é uma realidade que toca nas minhas faltas e não nas minhas necessidades do momento. De outra forma, a escassez real, pode gerar meios criativos e motivação para sair do lugar, gerando sensação de controle.

Acompanhe nosso canal do Youtube, pois disponibilizamos um vídeo sobre este tema!


Referências

BROWN, Brené. A coragem de ser imperfeito: como a vulnerabilidade nos transforma e nos torna mais corajosos. Tradução de Paula Figueiredo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.

MULLAINATHAN, Sendhil; SHAFIR, Eldar. Escassez: uma nova forma de pensar a falta de recursos na vida das pessoas e nas organizações. Rio de Janeiro: Best Business, v. 7, 2016.

Escrito por:
Anna Beatriz Carnielli Howat Rodrigues 
CRP 16/2307 
Título de pós-doutorado em Saúde Mental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Doutora em Psicologia Experimental e Especialista em Psicologia Comportamental Cognitiva pela Universidade de São Paulo, Mestre em Psicologia e Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo.

Leave a Reply