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Já parou para pensar quantas pessoas em sua vida, incluindo você, vivem com alguma deficiência?

Alguém que não pode ver, não pode ouvir ou vive com alguma condição física, intelectual ou de saúde mental? Quantas pessoas próximas você consegue pensar?

Uma pesquisa norte americana identificou que as pessoas tinham em média 20 pessoas com quem interagia de forma importante (trabalho, vida social, família), que eram portadores de alguma deficiência. O ponto é que todos nós vivenciamos em nossas vidas questões que perpassam pela deficiência, seja nossa, seja de pessoas queridas, seja grave, seja menos grave.

Apesar disso, existe uma preferência compulsória pela não deficiência e isso a gente chama de capacistismo. O capacitismo, assim como outros “ismos” como racismo e sexismo, descreve a discriminação contra um grupo social — neste caso, as pessoas com deficiência — mas também descreve como certos ideais e atributos são valorizados ou não valorizados. Ex: se locomover andando é mais valorizado do que se locomover de cadeira de rodas.

A lei 13146, 2015, art 4§1º diz o seguinte: Capacitismo é toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas.

A paraolimpíada de Paris 2024, inclusive, trouxe uma boa reflexão sobre o capacitismo: Um carrossel publicado nas redes sociais de alguns dos principais atletas paralímpicos do mundo começou dando aquele susto nos fãs de esporte.

1: eu não vou participar dos Jogos Paralímpicos de Paris 2024

2: sobre uma imagem do atleta competindo. O texto diz:** Eu vou competir.

3: Paralímpicos muitas vezes foram descritos pela mídia como ‘participantes’ e não ‘competidores.’ Em Paris 2024, é hora de corrigirmos isso.

O capacitismo se manifesta em atitudes que infantilizam e desvalorizam as pessoas com deficiência. A visão das Paralimpíadas como um evento de superação, e não como uma competição de alto nível, é um reflexo dessa realidade.

Por que essa história de SUPERAÇÃO é capacitista?

Superação é uma palavra super capacitista porque fortalece os seguintes enredos: “Ela superou sua deficiência e hoje estuda/trabalha”; “Apesar de ter a deficiência, ele é feliz/venceu na vida”. É inegável que pessoas com deficiência enfrentam mais barreiras em nossa sociedade, seja por falta de acessibilidade ou por atitudes preconceituosas. No entanto, rotulá-las como ‘heróis’ ou ‘exemplos de superação’ é injusto e minimiza suas experiências. Todos enfrentam desafios, e reduzir a experiência de pessoas com deficiência a uma constante luta desconsidera suas outras dimensões.

Por que algumas expressões são capacitistas?

Uma coisa que é muito arraigada no nosso social é o uso de terminologias com características de pessoas com deficiência que não podem e não deveriam ser utilizadas como referência de incapacidade, limitação ou desvantagem. Então, por exemplo, a gente fala que a pessoa “Se fez de surdo”, quando Parece que não ouviu / entendeu; que ela está “muito autista”, quando está mais alheia. Vícios de linguagem que precisam serem revistos.

Por que o capacitismo está mais visível?

Maior visibilidade das pessoas com deficiência: Através de movimentos sociais, mídias sociais e leis mais protetivas, as pessoas com deficiência estão se organizando e exigindo seus direitos, tornando o tema mais presente no debate público.

Evolução da sociedade: A sociedade está se tornando mais inclusiva e atenta às questões de diversidade e igualdade, o que leva a uma maior reflexão sobre as barreiras enfrentadas pelas pessoas com deficiência.

Avanços tecnológicos: As tecnologias assistivas e a acessibilidade digital permitem que as pessoas com deficiência participem mais ativamente da sociedade, o que torna ainda mais evidente a necessidade de combater o capacitismo.

Recentemente, em abril de 2024, foi divulgada uma pesquisa Inglesa sobre diferentes tipos de capacitismos por deficiência, gênero e contexto social. Os pesquisadores pediram pra 2.000 pessoas lerem uma série de afirmações sobre questões enfrentadas por pessoas com deficiência, relacionadas à educação, emprego, desinstitucionalização, relacionamentos e benefícios sociais. Daí eles perguntavam aos participantes se era aceitável tratar uma pessoa com deficiência de uma maneira específica (por exemplo, não contratá-la para um emprego) e outras perguntavam se era aceitável que uma pessoa com deficiência agisse de certa forma (por exemplo, começar a namorar). Como a gente experimenta na nossa sociedade, os julgamentos sobre como uma pessoa com deficiência foi tratada mostraram evidências claras de capacitismo em relação a algumas deficiências (por exemplo, autismo, problemas de saúde mental), mas não em relação a outras (por exemplo, um distúrbio da coluna vertebral). Mas vamos pros resultados mais importantes: 1. Pessoas com deficiências cognitivas e mentais enfrentam maior discriminação em ambientes de trabalho, principalmente em processos de contratação; 2. Mulheres com deficiência frequentemente enfrentam discriminação dupla: por gênero e pela deficiência. 3. E homens com deficiência enfrentam mais problemas relacionados à competência ou autoridade; nos relacionamentos pessoais, o preconceito é mais evidente em situações de namoro, pessoas com deficiência são frequentemente desvalorizadas como parceiros em potencial.

Este texto tem a função de promover educação e claramente a educação quebra barreiras, preconceitos. Mas aí fica a pergunta: Como criar sociedades menos capacitistas? O que podemos fazer desde a base, com as crianças, para combater o capacitismo?

Não trabalhamos com formulas mágicas, a promoção de uma sociedade mais inclusiva é no dia a dia. Então, promover a convivência, tirando a pessoa com deficiência da exclusão e criar oportunidades de relacionamento, seja entre crianças com e sem deficiência, seja entre adultos, sociedade no geral, pode ser interessante.

O que podemos fazer para combater o capacitismo?

  • Educar: Promover a educação sobre o capacitismo, desmistificando ideias preconceituosas e incentivando a inclusão.
  • Sensibilizar: Criar campanhas de conscientização para mostrar que o capacitismo é uma forma de discriminação e que todos somos responsáveis por construir uma sociedade mais justa e inclusiva.
  • Respeitar as diferenças: Valorizar as diversas formas de ser e fazer, reconhecendo que cada pessoa tem suas próprias capacidades e limitações.
  • Promover a acessibilidade: Garantir que todos tenham acesso aos espaços e serviços, eliminando as barreiras físicas, atitudinais e comunicacionais.
  • Denunciar: Não tolerar atitudes capacitistas e denunciar qualquer forma de discriminação.

Referências:

Timmons, S., McGinnity, F., & Carroll, E. (2024). Ableism differs by disability, gender, and social context: Evidence from vignette experiments. British Journal of Social Psychology, 63(2), 637-657. https://doi.org/10.1111/bjso.12696

Friedman, C., & Owen, A. L. (2017). Defining disability: Understandings of and attitudes towards ableism and disability. Journal of Social Work in Disability & Rehabilitation, 37(1), 1-19. https://doi.org/10.1080/1536710X.2017.1278883

Escrito por:
Anna Beatriz Carnielli Howat Rodrigues 
CRP 16/2307 
Título de pós-doutorado em Saúde Mental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Doutora em Psicologia Experimental e Especialista em Psicologia Comportamental Cognitiva pela Universidade de São Paulo, Mestre em Psicologia e Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo.

Dra Bia Howat tem um projeto de videocast junto com Fernanda Mappa (@fernandamappa.pi) e Pollyana Paraguassu (@pollyanaparaguassu) chamado Invisible (@social.invisible) que vai ao ar no Youtube do Folha Vitória (@folhavitoria).

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