Na faculdade eu ouvia muito que era feio trabalhar com diagnóstico de saúde mental porque isso rotulava as pessoas. E era aquela coisa né, a gente não podia falar nas aulas sobre transtornos… quase “aquilo que não se pode nomear”.
O diagnóstico. Aquilo que gera tanta problematização e controvérsia na saúde mental. A gente pode falar dele ou não? Por que a gente problematiza pouco um diagnóstico de carcenoma, mas de saúde mental sim? Isso sempre me intrigou.
Por aqui vamos falar sobre diagnostico sim porque na área Psi, principalmente a de maior complexidade, a gente precisa dele para conseguir ajudar nossos paciente e pra toda a equipe se entender.
Primeiro, vamos sair dessa visão de que quem trabalha com diagnótico é reducionista e que diagnóstico em saúde mental define a identidade de uma pessoa. Ele é somente uma ferramenta para entender melhor o que a pessoa traz como expressão do sintoma… ele não é uma análise completa, mas dá informações objetivas sobre potencialidade, vulnerabilidades, prognóstico… o que eu quero dizer com isso? Que uma pessoa diagnosticada com esquizofrenia, não vai ser igual a outra pessoa diagnosticada com esquizofrenia. Isso não existe. Mas que eu preciso entender o que significa um diagnóstico de esquizofrenia para entender como cientificamente será minha atuação, como eu preciso olhar pro curso dos sintomas, de quando abriu quadro, etc e tal. E isso continua fazendo com que eu veja cada indivíduo como único e com uma identidade que vai muito além de qualquer diagnóstico.
Com um diagnóstico preciso, é possível prescrever tratamentos adequados, sejam eles medicamentos, terapias ou outras intervenções. Sem um diagnóstico claro, o tratamento pode ser ineficaz ou até prejudicial.
Os profissionais de saúde mental têm a responsabilidade de usar os diagnósticos de maneira a ajudar, e não a estigmatizar. Um bom profissional sempre explicará o diagnóstico de forma que seja útil e empoderadora para a pessoa. Isso é fundamental para que o diagnóstico seja visto como uma ferramenta de auxílio e não como um rótulo fixo. Aumentar a compreensão pública sobre os diagnósticos psiquiátricos pode reduzir o estigma associado a eles. A educação sobre saúde mental é crucial para ajudar a diferenciar entre usar um diagnóstico para obter o tratamento necessário e não rotular alguém de forma pejorativa. Quanto mais informadas as pessoas estiverem, mais fácil será para todos entenderem a importância dos diagnósticos.
Também é essencial que as pessoas tenham um papel ativo no processo de diagnóstico e tratamento. Sentir que se tem controle sobre suas próprias vidas e escolhas pode diminuir a sensação de ser rotulado e aumentar a adesão ao tratamento. A autonomia no processo de tratamento são fundamentais para o bem-estar de qualquer pessoa.
Mas ainda fica aquela história de conta ou não conta pro paciente sobre diagnóstico? Ele pode usar isso como ganho?
Sobre contar ou nao contar, pode depender de cada caso, podemos fazer uma avaliação geral, talvez até envolver a família, para pensar sobre a função dessa informação para cada paciente. Apesar de eu ser da linha que acho muito importante ir sensibilizando aos poucos o paciente pro diagnóstico dele. E esse é um processo muitas vezes duro e difícil, mas muito valioso pro autoconhecimento.
Sobre os ganhos do diagnóstico, ou a pessoa usar isso como desculpa para nao enfrentar necessidades de mudança, se isso acontece é pq a pessoa já faz isso na vida dela e se ela faz isso a gente já tem que dar conta da função desse comportamento dentro do setting terapêutico e não omitir o diagnóstico por conta disso.
Mas se é um processo de autoconhecimento, quando eu sei o que eu tenho, eu também fico mais engajado, eu alinho minhas expectativas sobre alta, sobre estar bem ou mal, sobre a necessidade da medicação… e aí a pessoa vai compreender melhor os próprios padrões de comportamento e emoções, a pessoa pode ganhar insights significativos sobre si mesma. Esse autoconhecimento pode levar a uma maior aceitação e a estratégias mais eficazes para lidar com os desafios da vida.
Muitas vezes, o diagnóstico traz um grande alívio, pois fornece uma explicação para os sentimentos e comportamentos que podem ter sido confusos ou angustiantes, que muitas vezes culpabilizaram o “eu” por não conseguir isso ou aquilo, ou por ser intenso demais. Esse eu agora passa a entender que ele tem uma vulnerabilidade para a intensidade, por ex, e passa a ficar mais atento a gatilhos. Saber que há um nome para a condição e que outras pessoas também a experienciam pode ajudar a pessoa a se sentir menos isolada e mais compreendida.
Escrito por:
Anna Beatriz Carnielli Howat Rodrigues
CRP 16/2307
Título de pós-doutorado em Saúde Mental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Doutora em Psicologia Experimental e Especialista em Psicologia Comportamental Cognitiva pela Universidade de São Paulo, Mestre em Psicologia e Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo.