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Outro dia falava com uma amiga sobre o quanto é impressionante a velocidade da inovação tecnológica que testemunhamos… saímos da TV de tubo, para o “discman” febre que era levado na cintura e pulava as músicas quando a gente andava e agora vivi para ver a revolução da Inteligência artificial que está acessível a alguns toques do meu celular.

Vejo com bons olhos o uso da IA também dentro da saúde mental e não sou do time das pessoas que condenam as novidades.

Todavia, entretanto, porém, devo admitir que há uns meses, li que algumas pessoas estavam preferindo fazer consulta psicológica com o chatGPT e brotou o seguinte pensamento julgador na minha cabeça: que tipo de profissional essa pessoa encontrou por aí para preferir a inteligência artificial? Além disso, não vou mentir que veio aquela sensação de: serei substituída pela IA.

Depois de pensar um pouco sobre, realizei que não é possível que já caminhamos tanto para viver o mesmo paradigma homem versus máquina. Então vamos para a racionalidade do negócio: não tenho nem dúvidas de que é uma tecnologia que veio para ficar e meu cérebro “Homo sapiens” que lute para se adaptar.

Diagnosticar problemas de saúde mental requer um olhar atento aos detalhes individuais e ao contexto, aspectos que os algoritmos precisarão se esforçar para captar. Embora a IA ofereça uma ferramenta valiosa para análise e reconhecimento de padrões, ela parece ainda não poder substituir o olhar humano e a relação terapêutica. Dito dessa forma, eu não acho que atualmente ela substitui um bom profissional, mas sim, acho que ela substitui alguns serviços. Todo um conjunto de regras que podem ser aprendidas sobre um fenômeno a IA conseguirá desenvolver, lembrando que a eficácia dos algoritmos dependerá de conjuntos extensos de dados para treinamento. No entanto, aquele profissional que vai estar atento a nuances, que vai estar ali como um outro coração humano para o processo de escuta e acolhimento e que vai conseguir personalizar o tratamento para uma pessoa, eu ainda tenho minhas dúvidas se uma IA irá conseguir por enquanto.

Países como a Inglaterra e os EUA já estão usando IA para melhorar tratamentos que envolvam a saúde mental. Nesse sentido, a IA parece ter dois papeis bem interessantes: o primeiro de democratizar o acesso a informação e o segundo de fornecer ferramentas para a complementariedade do tratamento.

Sabemos que hoje profissionais psis (psiquiatras, psicólogos) são escassos para a população em geral e nem todos terão condições financeiras de dar conta de incluir este profissional em suas despesas mensais, apesar de muitos de nós sofrermos com transtornos mentais: ansiedade, depressão, estresse… a lista é longa e não escolhe classe social. Diante da crescente demanda por atendimento em saúde mental, a inteligência artificial (IA) pode ser uma ferramenta plausível para auxiliar os sistemas de saúde a lidarem com essa sobrecarga.

Um exemplo promissor vem da startup britânica Limbic, que desenvolveu uma ferramenta de diagnóstico “e-triage” capaz de examinar mais de 210 mil pacientes com uma precisão de 93% para os oito transtornos mentais mais comuns, como depressão, ansiedade e estresse pós-traumático.

Essa ferramenta inovadora funciona da seguinte forma: o paciente responde a um questionário online sobre seus sintomas e histórico de saúde mental; a inteligência artificial da Limbic analisa as respostas do paciente e fornece uma avaliação inicial de seu estado mental; e com base na avaliação da IA, o paciente é direcionado para o profissional de saúde mental mais adequado para o seu caso, otimizando o tempo e os recursos do sistema de saúde.Assim, o tempo de espera por atendimento profissional é diminuído, pois a ferramenta permite uma triagem inicial eficiente dos pacientes. Além disso, pacientes em áreas remotas ou com dificuldade de acesso a serviços de saúde mental podem se beneficiar da avaliação online.

Além do auxílio diagnóstico, fornecendo intervenções preliminares de forma acessível, os aplicativos de saúde mental também podem auxiliar na gestão de sintomas mais específicos tais como a ansiedade e o estresse e no desenvolvimento de habilidades, oferecendo suporte contínuo e personalizado para os usuários na palma da mão, a partir de aplicativos que são facilmente acessados pelos smartphones.

A IA evoluiu de exemplos iniciais como ELIZA, um programa de processamento de linguagem natural programável, e PARRY, um programa que imitava o comportamento de um humano com esquizofrenia, para soluções modernas como Woebot, Tess e Replika, que oferecem terapia cognitivo-comportamental, sessões e autoconhecimento, respectivamente. Algumas IA como Kaspar e Nao também estão incorporados em robôs físicos, que ajudam crianças com transtorno do espectro autista (TEA) a aprender habilidades sociais e reconhecimento facial.

No entanto, a complexidade dos problemas de saúde mental representa um desafio para as ferramentas de IA, que podem não captar adequadamente o contexto e os sinais não verbais dos pacientes, trazendo os desafios que limitam sua usabilidade e confiabilidade. Podem faltar-lhes habilidades emocionais de terapeutas humanos e outra questão diz respeito a discussão de quem seria a responsabilidade sobre o diagnósticos e as recomendações. Eles também podem não ser baseados em sólidos conhecimentos e evidências de saúde mental, já que as empresas de tecnologia podem não ter expertise e experiência nesta área.

Vou me permitir não trazer uma conclusão para este texto, pois percebo que falar sobre IA é justamente esperar a próxima tecnologia a ser lançada e logo ter a sensação que as palavras que escrevo aqui em 2024 se tornarão obsoletas. A integração da IA na saúde mental abre um leque de possibilidades para ampliar o acesso a cuidados de qualidade e promover o bem-estar da população. No entanto, é fundamental utilizá-la de forma responsável e ética, reconhecendo suas limitações e complementando-a com a expertise e a sensibilidade humana do profissional de saúde mental. Através dessa abordagem conjunta, podemos construir um futuro onde a IA contribua para a construção de um sistema de saúde mental mais acessível, eficaz e humanizado.

Referências:
Darzi, P. (2023). AI & Psychology: Could Artificial Intelligence be a Therapeutic for Mental Issues? SI [Commentary], 43(5), 1111. https://bonoi.org/index.php/si/article/view/1209

Saqib, H., Muneer, S., & Saqib, A. (2023). AI Chatbots and Psychotherapy: A Match Made in Heaven? Journal of the Pakistan Medical Association.

Shimada, K. (2023). The role of artificial intelligence in mental health: A review. https://doi.org/10.15354/si.23.re820

Escrito por:
Anna Beatriz Carnielli Howat Rodrigues 
CRP 16/2307 
Título de pós-doutorado em Saúde Mental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Doutora em Psicologia Experimental e Especialista em Psicologia Comportamental Cognitiva pela Universidade de São Paulo, Mestre em Psicologia e Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo.

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