Pai/mãe, diante da birra você é:
Aquele(a) que quer sua mãe?
Aquele(a) que grita mais alto?
O(a) doido(a) do abraça que passa?
Melhor ignorar e sumir?
Todas as alternativas acima, depende do dia e do meu humor!
As birras infantis, aqueles momentos turbulentos de choro, gritos e comportamentos desafiadores, normalmente são descritas como um grande terror na vida dos pais e cuidadores.
Você imagina o que se passa no cérebro da criança durante esses episódios?
Imagine o cérebro de uma criança como uma cidade em construção. As diferentes áreas cerebrais, responsáveis por funções como emoções, controle inibitório e raciocínio lógico, ainda estão em processo de maturação e interconexão. Isso significa que, muitas vezes, a criança não possui as ferramentas neurais necessárias para lidar com frustrações e emoções intensas de forma eficaz.
Durante uma birra, a amígdala, região do cérebro responsável pelo processamento de emoções como raiva e medo, entra em ação. Ela libera uma enxurrada de hormônios do estresse, como cortisol e adrenalina, que tomam conta do corpo da criança.
Nesse estado de sobrecarga emocional, o córtex pré-frontal, área cerebral responsável pelo planejamento, raciocínio lógico e controle inibitório, fica temporariamente desativado.
O resultado? A criança perde a capacidade de pensar com clareza, controlar suas ações e responder de forma racional. Ela se torna impulsiva, desregulada e sem considerar as consequências de suas ações.
Então já deu pra perceber que não vai adiantar gritar mais alto, as birras não são atos maliciosos contra você. A criança simplesmente não tem os recursos emocionais e cognitivos para lidar com a situação de outra forma.
Como lidar com essas situações de forma eficaz, sem cair em armadilhas como a falsa ideia de que “acolher” significa “abraçar” ou que “deixar a criança colocar pra fora toda a frustração dela”, independente do que isso signifique, é a solução?
Repita comigo: Acolher uma criança em birra vai além de simplesmente abraçá-la. Primeiro que nessa hora, desregulada, muitas crianças nem vão conseguir responder a esse abraço. O abraço pressupõe reciprocidade e na hora não tem como ter muita, certo?
Pasme! Você pode promover um conforto físico sem abraçar. E como seria isso? Acolhendo.
“Nossa, mas agora você complicou, acolher não é abraçar?”
Não mesmo! Não confunda! Acolher é criar um refúgio seguro, um porto onde a sua criança se sinta amparada e compreendida, mesmo que no momento não consiga se comunicar de forma racional.
Como acolher de verdade?
Inicialmente é importante que você demonstre que você está ali, mesmo que não entenda completamente o que está acontecendo. Diga frases como “Estou aqui com você”, “Vejo que você está chateado(a)”.
Ofereça conforto físico. Sente-se ao lado da criança, faça um carinho no cabelo ou nas costas. Mas seja sensível sobre o quanto esse toque reflete conforto pra ela neste momento.
Reconheça que a criança está triste, com raiva ou frustrada. Diga “Sei que você está chateado(a) porque…” ou “Parece que você está com raiva, mas…”.
Explique que, apesar de compreender as emoções da criança, alguns comportamentos não são aceitáveis, como bater, chutar ou se jogar no chão. Mas não se alongue nesta explicação, seja conciso. Diga “eu entendo que possa estar frustrado, mas não aceitarei que me bata.”.
Tire o foco sugerindo atividades que ajudem a criança a se acalmar, como desenhar, brincar com um brinquedo favorito ou ouvir uma música relaxante. Importante, aqui você não vai invalidar a birra e sim tirar o foco. Diga: “realmente você está muito chateado, o que acha da gente desenhar um pouco para que você consiga pensar um pouco e depois a gente volta nesse assunto?”. Outra forma de mudar o foco é dizendo algo engraçado, carinhoso ou que a faça sorrir.
Quando a criança estiver mais tranquila, converse sobre o que aconteceu. Ajude-a a identificar suas emoções e a expressá-las de forma saudável.
Um último ponto sobre a birra que acho pertinente discutir tem a ver com a ideia de que devemos permitir que a criança “coloque pra fora toda a frustração dela”. Primeiro que isso é muito vago, toda a frustração é muita coisa, e nem sempre é a melhor opção. Você pode estar expondo sua criança e a expressão de algumas frustrações pode significar situações de perigo, já vi crianças expressando suas frustrações quebrando janela de vidro, se machucando, machucando outras pessoas. A partir desse ponto de vista, deixar que ela coloque para fora toda a frustração não faz sentido, certo?
É fato que limites são bem vindos até na birra. E isso não significa dureza ou insensibilidade, significa que diante dessa cidade em construção que é o cérebro infantil, se eu não der o parâmetro sobre o que pode ser construído, o caos pode tornar as coisas muito mais difíceis.
A birra é uma fase natural do desenvolvimento infantil. Não adianta gritar pela sua mãe, rs! Você é o adulto da relação e precisará de consistência (sim, amo a consistência), manejo e paciência, você pode ajudar seu filho a lidar com suas emoções de forma saudável e o ajuda em seu desenvolvimento socioemocional. Experimente diferentes estratégias para encontrar o que funciona melhor para seu filho. Quando se trata de educar filhos, receitas de bolo geralmente dão errado. E, por fim, se você se sentir sobrecarregado ou precisar de ajuda, não hesite em procurar um profissional especializado em desenvolvimento infantil.
Referências
Cole, M., Cole, S., & Minat, C. (2006). Desenvolvimento infantil: Uma abordagem biocultural (8a ed.). Porto Alegre: Artmed Editora.
Doidge, N. (2007). A mente que se cura: O poder da neurociência para superar a ansiedade, a depressão e o trauma (1a ed.). Rio de Janeiro: Editora Rocco.
Goleman, D. (1995). Inteligência emocional: A ciência por trás das emoções e como usá-la para tomar melhores decisões (3a ed.). Rio de Janeiro: Editora Objetiva.
Gopnik, A., Wolfe, J., & Taylor, J. (2013). O cérebro da criança: Guia prático para pais e educadores (1a ed.). Porto Alegre: Artmed Editora.
Lakoff, G., & Núñez, R. E. (2000). O cérebro e a linguagem: Uma introdução à neurociência cognitiva da linguagem (1a ed.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
Escrito por:
Anna Beatriz Carnielli Howat Rodrigues
CRP 16/2307
Título de pós-doutorado em Saúde Mental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Doutora em Psicologia Experimental e Especialista em Psicologia Comportamental Cognitiva pela Universidade de São Paulo, Mestre em Psicologia e Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo.